José Marques Vidal, antigo juiz e diretor-geral da Polícia Judiciária, acaba de lançar o livro As Aeternum, uma sátira que desmonta muitas das fragilidades de um regime pós-25 de Abril. Numa entrevista ao SOL, falou sobre a infância, a vida na Universidade, a ligação aos animais e a vontade dos partidos políticos em dominar a Justiça.
O pai da ex-procuradora-geral da República, Joana Marques Alves, recorda os tempos de infância e as influências do meio rural: “O meu pai, que também foi juiz, vinha de uma família de lavradores abastados e casou com a filha dos empregados da quinta, os Marcelos, jornaleiros e talvez os melhores jogadores do pau daquelas zonas (…) O meu pai era republicano e maçon, mas, como era um homem honesto e um democrata, foi expulso da Maçonaria”.
E a propósito deste tema, Marques Vidal diz que chegou a ser convidado para integrar a Maçonaria, mas que já estava associado a “duas grandes associações de malfeitores”: “Só me tentaram arregimentar duas vezes e depois do 25 de Abril. O primeiro convite veio do PCP; o segundo, e último, veio de um grupo maçon. Sabe o que respondi a um e a outro? Já pertenço a duas grandes associações de malfeitores: à Académica de Coimbra e aos Bombeiros Voluntários de Águeda. Por isso, sinto-me interdito a pertencer a uma terceira”.
Sem filtros, José Marques Vidal falou também sobre a juventude em Coimbra e os encontros com Zeca Afonso. “A iniciação sexual dos rapazes na altura só era possível com as prostitutas. Em Coimbra íamos à rua Direita, todas as cidades tinham uma rua Direita onde estavam as raparigas. Mas arranjava-se sempre umas escapadelas. Uma vez, um colega nosso travou conhecimento com umas americanas que estavam de excursão a Coimbra e resolvemos fazer uma farra. Na nossa República não faltava o vinho, os túneis estavam sempre cheios para receber os convivas, mas faltava a música. Só havia um homem que estava sempre disponível para a festa, que era o Zeca Afonso. Ele vivia numa pensão muito próxima da nossa República e era um homem que, mesmo que tivesse acabado de se deitar, não era capaz de dizer que não. Lá foi engalanar o momento com aquela voz cristalina. Deve ter sido nesta festa com as raparigas americanas que o fado de Coimbra se globalizou”, brincou.
“Não há nada mais importante na vida do que o amor, quanto a isso não tenho dúvidas”, acrescentou.
Marques Vidal falou ainda sobre o amor pelos animais, mas garantiu que não deixava morrer um ser humano por um animal: “Fui o precursor do PAN (Partido das Pessoas, dos Animais e da Natureza). Ainda não existia e já eu praticava. Enquanto andei como juiz pelas pequenas comarcas, o cão andava sempre comigo. Só não entrava na sala de audiências, mas levava-o para o gabinete. Dizia-se, por ironia, que eu compreendia melhor os cães do que os homens. Mas, como está no livro, eu não sacrificaria um ser humano por um cão”.
A justiça e o poder político
Ao longo da entrevista, o ex-diretor da PJ também falou sobre questões políticas. Defende que os cidadãos não devem ser obrigados a votar, pois isso implicaria “coartar a liberdade do cidadão”. Marques Vidal admitiu que deixou de votar, pois “um cidadão que não se identifica com os partidos representados na Assembleia da República e vai às urnas entra em contradição”.
E deixou duras críticas ao poder político e à forma como tenta controlar os tribunais: “Não vejo um partido que não tenha avidez de dominar a Justiça. O PS e o PSD têm uma enorme avidez de dominar a Justiça e fazem leis para os amigos, como se vê pelo pacote de transparência em que os dois partidos viabilizaram a aceitação de viagens por titulares de cargos políticos que visa os deputados e ex-governantes de aceitar os convites da Galp. E a corrupção, que é transversal a todos, não só destrói o chamado resíduo moral e cultural de uma nação como a estrutura económica dessa nação”.