V. Setúbal. Num tempo em que a Europa vinha tremer de medo nas margens do Sado

V. Setúbal. Num tempo em que a Europa vinha tremer de medo nas margens do Sado


Ficará para sempre como um dos momentos mais bonitos do futebol em Portugal: durante dez épocas consecutivas (de 1965-66 a 1975-76), o Vitória de Setúbal apurou-se para as competições europeias e obteve resultados fantásticos. Joaquim Torres, recentemente falecido, viveu-as todas em Setúbal. Merece a recordação.


As aventuras europeias do Vitória de Setúbal, que duraram precisamente dez anos consecutivos, entre as épocas de 1965-66 e 1975-76, ficaram para a história do futebol em Portugal como a imagem do Senhor do Bonfim, que já era venerada pelo rei D. João v no início de 1700. Primeiro com Fernando Vaz no comando, depois com José Maria Pedroto e até José Augusto, a Europa vinha tremer de medo às margens do Sado e não, não se trata de um exagero agora tão em voga, porque quem eliminou fortalezas com a Fiorentina, o Inter de Milão, o Anderlecht ou o Liverpool só pode ter um orgulho profundo no seu passado extraordinário.

Jogou nessa equipa do Vitória gente de qualidade inconfundível. Talvez Jacinto João, o homem das fintas desconcertantes, tenha sido o maior de todos eles, hoje com direito a estátua como Eusébio. Mas também Octávio e Duda, José Maria e Conceição, Tomé, Arcanjo e José Torres (o Bom Gigante), Carlos Cardoso e José Mendes, Carriço, Rebelo e Matine, Câmpora, Wagner e Guerreiro (que todos conheciam por Del Sol), Vítor Baptista e Jaime Graça, Petita e Caíca, os guarda- -redes Mourinho Félix, Vital e Joaquim Torres, recentemente falecido e que me fez escrever esta homenagem tão singela como objetiva. Todos os que são da minha idade têm o Vitória (“Vitórria”) num dos recantos mais ensolarados da memória. Eles batiam-se com Sporting, Benfica e FC Porto (um segundo e três terceiros lugares no campeonato, vitória em duas Taças de Portugal), jogavam de peito aberto contra os grandes clubes de Inglaterra, como o Tottenham, o Newcastle United, o Liverpool e o Leeds United (bateram estes dois últimos) e praticavam um futebol de requinte, de qualidade superlativa, ao qual nunca faltavam os golos.

Hoje, o Vitória vive momentos difíceis. Mas é importante não esquecer, não esquecer nunca. Não esquecer que, em 1972-73 e 1973-74, os sadinos atingiram por duas vezes consecutivas os quartos–de-final da então Taça UEFA. Dezasseis jogos sucessivos com triunfos absolutamente supimpas – Fiorentina, 1-0 e 2-1; Inter de Milão, 2-0; Tottenham, 2-1; Leeds United, 3-1. E o topo dos topos, a eliminatória de 1969 frente ao Liverpool, com uma vitória no Bonfim por 1-0 e uma derrota em Anfield por 3-2 depois de ter estado a ganhar por 2-0 até meio da segunda parte. Não, não se esquece. Não, não é exagero. Joaquim Torres, que esteve em Setúbal de 1963 a 1975, assistiu a tudo. Recordá-lo-á no seu perpétuo descanso, com um sorriso nos lábios.