Em 2015, a notícia rezava assim: “Numa lista de 164 organismos e entidades públicas, só 47 (28,6%) divulgaram os seus planos de atividades para 2015 e apenas 25 (15,2%) publicaram os relatórios e contas de 2014.”
Perceba agora as diferenças relativamente a 2019, de acordo com a notícia divulgada recentemente: “Um levantamento feito analisou 213 entidades da administração central e concluiu que apenas 10% prestou contas sobre a atividade do ano passado e apenas 30 % cento publicou o plano de atividades para este ano.”
Vejamos agora o que diz o preâmbulo da lei (Decreto-Lei nº 183/96 de 27 de setembro), em vigor há mais de vinte anos, que instituiu a obrigatoriedade de todos os organismos da Administração Pública elaborarem, monitorizarem e divulgarem os mais elementares instrumentos de gestão (entre outros exigidos legalmente), denominados plano e relatório de atividades: “Assim, definem-se orientações no sentido de o plano e relatório anuais deverem ser processos participados na sua elaboração e divulgados perante os utentes de forma que, através da participação e da informação, se reforce o desejável envolvimento entre a sociedade e a Administração.”
Conclusão: no que a esta matéria diz respeito, pelo menos desde 2015 que a administração central do Estado inquina as exigências mínimas de transparência na gestão pública, por afastamento liminar dos cidadãos do acesso à informação de gestão, relativamente à maioria dos organismos que compõem a administração central do Estado.
Porque é que esta constatação é grave? Porque existe um princípio inelutável de que quem gere dinheiro público deve explicar o que anda a fazer com ele. E porque é dessa prestação de contas por parte de quem gere o que não é seu, que se pode aferir do mérito dessa administração alheia. Este direito dos cidadãos contribuintes é antigo. Atente-se no artigo 15º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada desde os idos da Revolução Francesa: “A sociedade tem o direito de pedir contas a todo o agente público pela sua administração”. Sucede, ainda assim, que a prova da boa gestão dos dinheiros e valores públicos compete aos responsáveis pela sua administração, e não o contrário.
Ora, se não prestar contas no sentido estritamente financeiro representa uma infração que pode dar origem a sanções aos prevaricadores, porque motivo não apresentar contas em sentido lato, passa ao lado da responsabilização? Faltar-nos-á uma cultura de prestação de contas – no sentido do envolvimento de representantes e representados, cada um com a sua quota de responsabilidade – na administração pública portuguesa?
O plano e o relatório de atividades dos organismos da administração públicatêm caráter obrigatório, inexistindo, contudo, previsão legal expressa relativa quer à sua não elaboração, quer ainda quanto à sua não divulgação, também ela, como vimos, indispensável. Não é de crer, por outro lado, que consequências ao nível das competências de quem gere e, neste caso, mal, sejam devidamente retiradas, a avaliar pela sistematicidade do problema ao longo do tempo e ao facto de valores importantes como a meritocracia, andarem imbuídos de certa vacuidade. Isto apesar das renovações das comissões de serviço dependerem, nos termos da lei, dos resultados evidenciados no respetivo exercício, os quais deverão considerar o grau de cumprimento do previsto nos planos de atividade.
Esta omissão de conduta exigida deve corresponder a um desvalor ético, aos olhos dos cidadãos. Enquanto se continuarem a escrever em língua morta relatórios sobre reformas da administração pública posteriormente abafados em gavetas de armários escondidos, não vamos longe. E enquanto quem gere a coisa pública não assimilar um valor básico que dá pelo nome de transparência, também não.