Os portugueses conheceram, da pior forma possível, as consequências de um federalismo coxo, amputado, mesmo na zona euro, de uma política monetária com objectivos económicos. Fomos salvos já dentro de água, onde também estavam gregos, irlandeses e espanhóis, e para onde escorregavam italianos, belgas e franceses, por um senhor que quase não chegava a presidente do Banco Central Europeu por mor de umas tropelias financeiras quando trabalhou para a Goldman Sachs (where else?). Mario Draghi anunciou num discurso em Julho de 2012 que faria tudo o que fosse necessário para salvar o euro. Draghi dobrou a parada e concluiu a frase com um “believe me, it will be enough”. E foi.
Agora que Draghi chega ao fim do mandato não renovável de oito anos, há muito boas razões para nos preocuparmos com a escolha do sucessor. Em primeiro lugar, as economias portuguesa, dos restantes Estados da União Europeia e a mundial dão sinais de abrandamento (redução do crescimento económico e aumento do desemprego, causados pelo Brexit e pelas guerras comerciais de Trump). Em segundo lugar, as causas que deram origem à primeira crise do euro mantêm-se de boa saúde (com a falta de um verdadeiro federalismo económico à cabeça) e os mecanismos de estabilidade financeira entretanto criados à escala da zona euro são meros paliativos (como, num contexto de taxas de juro negativas, se verá caso os partidos da coligação que governa Itália decidam prolongar a orgia orçamental). Em terceiro lugar, a História, essa madrasta, está prestes a vingar o orgulho alemão que, traumatizado pela crise de 1929 e pela consequente hiperinflação, mandatou o BCE, por via dos Tratados, para cumprir uma única tarefa (“manutenção da estabilidade dos preços”).
Na dança das cadeiras de Bruxelas, os alemães estão preocupados com uma só escolha, a do futuro presidente do BCE. E têm como candidato preferido o actual governador do Bundesbank, Jens Weidmann, um acerbo crítico de Draghi, a quem acusou de ter violado o mandato do BCE e de ter posto em risco as poupanças dos contribuintes alemães (que garantiram a compra de obrigações dos Estados da zona euro que não se conseguiam financiar nos mercados). A próxima crise do euro, caso Weidmann esteja aos comandos do BCE, poderá ser a última ou, no mínimo, será a última para vários Estados da zona euro que terão de regressar à moeda nacional (a ameaça brandida contra a Grécia e que foi sustida por razões políticas – o projecto europeu… – mas também financeiras, protegendo os empréstimos concedidos pelos bancos franceses e alemães…).
Em alternativa a Weidmann, os alemães aceitariam um Ersatz não germânico. Candidatos não faltam, começando pelos finlandeses Erkki Liikanen, ex–governador do Banco da Finlândia, e Olli Rehn, que foi o comissário para os Assuntos Económicos e Monetários durante a crise do euro.
Vistos a partir de Berlim, os candidatos franceses (há sempre candidatos franceses para todo e qualquer posto…) à presidência do BCE são a encarnação do Anticristo por defenderem a inclusão no mandato do BCE da prossecução de políticas de crescimento económico e apostarem numa meta de inflação anual superior a 2%.
O próximo presidente do BCE toma posse a 31 de Outubro, depois de escolhido pelo Conselho Europeu. O BCE tem já um espanhol, Luis de Guindos, como vice-presidente, pelo que não há margem para indicar um lusitano. É pena.
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990