Na semana passada, dias antes das eleições europeias, tive a oportunidade de escrever sobre a importância que considero ter o voto, ainda que naturalmente me tenha mostrado sensível aos motivos que levam muitos portugueses a não irem às urnas. Portanto, feitas todas essas considerações, não vou hoje escrever o mesmo, sob pena de estar a repetir-me. O problema está aí, é real, é galopante, é insustentável, é inadmissivel, é preocupante e, portanto, parece-me a mim mais útil procurar soluções para o problema do que estar sempre a repetir que ele existe.
Com o valor de abstenção verificado nestas eleições que, recorde-se, roçou os 70%, é minha opinião que se chegou ao fim da linha. Nada pode continuar como até aqui. Neste sentido, e se faz já algum tempo o vinha defendendo, desde domingo estou ainda mais convicto de que o Estado tem de colocar o voto bem mais próximo dos cidadãos e, além disso, sobretudo torná-lo obrigatório. Quando falo em aproximar o voto das pessoas, falo de uma mudança de paradigma bem concreta e que me parece pouco dificil de conseguir, desde que para isso exista uma real vontade. Vamos por partes.
Em primeiro lugar, tem de ser apresentada à população a possibilidade de votar electronicamente. E falo sobretudo do voto electrónico não presencial. O Estado tem a obrigação de criar uma plataforma informática à qual uma família, sem sair de casa, possa aceder e onde, em poucos minutos, sem qualquer problema ou incómodo, consiga descarregar o seu voto. Por que motivo já podemos pagar os nossos impostos pelo computador (nalguns casos, não por escolha, mas sim por imposição) sem ter de sair de casa e não podemos usufruir da mesma possibilidade no que ao voto diz respeito?
E quando falo dos impostos podia falar de milhentas outras coisas. Afinal, qual é o critério? Quer-se uma sociedade modernizada, em certos parâmetros imposta e, em questões tão simples, não se dá o passo em frente? Porquê? Será mera negligência ou interessa ao poder político que a democracia continue a ser, cada vez mais, a maioria originária da minoria? Tanto quanto julgo saber, até já se fizeram em 1997, 2001, 2004 e 2005 experiências no que a esta matéria diz respeito. Por que raio continuamos a ser o país que gasta milhões de euros em estudos e experiências e, depois, o que se gasta não termina num resultado concreto?
Bem sei que muitos me dirão que o voto electrónico não presencial pode ser uma porta de entrada para possíveis fraudes eleitorais. Não nego que tal seja possível. Mas quando de manhã saio de casa também é possível que me passe um carro por cima e venha a finar-me. Ainda assim, não é por isso que deixo de sair de casa para fazer a minha vida. De igual maneira, não é por existirem possibilidades hipoteticamente problemáticas que o Estado deve deixar de desenvolver os mecanismos devidamente seguros para que tal não se verifique e, dessa forma, para o que aqui interessa, possibilitar o voto eletrónico não presencial.
Em segundo lugar, também os moldes como se vota presencialmente têm de mudar consideravelmente. Qualquer cidadão, presencialmente, deve passar poder a votar em qualquer ponto do país onde se encontre e não ser obrigado a votar no local onde está recenseado. Parece-me básico. Não faz qualquer sentido um eleitor que, por exemplo, esteja recenseado em Faro e tenha, por hipótese, um quarto arrendado no Porto, onde se encontra a viver e a trabalhar, ter de atravessar o país inteiro para poder votar porque, se não o fizer em Faro, não pode fazê-lo em mais lado nenhum. Em pleno séc. XXI, é algo completamente estapafúrdio. Nem é sequer legítimo por parte do Estado exigir tal disponibilidade a qualquer cidadão. Até porque as eleições são, por hábito, realizadas ao fim de semana, os únicos dias em que as pessoas têm tempo para descansar, passear, visitar familiares ou, pura e simplesmente, não fazerem absolutamente nada. Logo, o foco tem de ser descomplicar.
Por último, a obrigatoriedade do voto:
É meu entendimento e estou certo que, quanto mais não seja pelo decurso do tempo (que pecará por tardio), me será dada razão, o voto tem de passar a ser obrigatório. Digo até mais. Não me choca sequer que, independentemente da natureza das eleições em questão, colocadas à disposição dos portugueses as possibilidades antes defendidas e, ainda assim, houver quem, sem motivo atendível, decida não votar, se possa nesses cenários aplicar sanções que devem previamente ser definidas. Nem me melindram sequer aquelas que, faz poucos dias, Miguel Sousa Tavares defendeu, estando em causa europeias, e que, por incrível que pareça, acabaram por ter sido por muitos entendidas como pura heresia. Aí, a única coisa que me aborrece é, repito, tanto quanto percebi, ver Sousa Tavares defender o mesmo que eu e muitos outros defendem, transmitindo-o apenas numa versão mais soft. Não há aqui espaço para falinhas mansas. Há problemas, é atacá-los.
Aqui chegados, não posso terminar sem no entanto fazer um esclarecimento que me parece pertinente. Defender a obrigatoriedade do voto não é um exercício que se realiza com alegria. Muito menos com satisfação, orgulho ou considerando ser este o cenário desejável. Muito pelo contrário. É uma triste constatação. O desejável, em meu entendimento, seria que todos nós, de uma vez por todas, e tal como também escrevi a semana passada, fôssemos capazes de compreender que, por mais que sejam os motivos de descrença, desânimo ou desinteresse que nos atormentam, votar, mais que ser visto como um direito, deve sobretudo ser entendido como um dever.
Mas, aí, é o reflexo da nossa sociedade. Os direitos são para todos; os deveres, esses, que sejam só para alguns. Não vale a pena andarmos todos a criticar os políticos e não nos criticarmos como sociedade quando devemos fazê-lo. A sociedade, aqui, tem culpa.
Sou capaz de compreender um cidadão com mais idade que, tendo vivido o Estado Novo, tendo ansiado pela chegada da democracia, tendo festejado a entrada na CEE, tendo sentido os anos de maior fulgor nacional e internacional em que a vida desafogou, e estando agora desinteressado da vida pública porque tudo parece estar a andar para trás, não queira ir votar. Não aceito mas, obviamente, por inúmeras razões, consigo genuinamente compreender. Agora, o que já não consigo aceitar, por inadmissíveis que são, são os níveis de abstenção que igualmente se registam nas gerações mais jovens. As gerações que para todos os efeitos representam o futuro do país, o futuro europeu.
É pura demonstração de preguiça, de desleixo, de alheamento, de desrespeito por uma possibilidade que a todos nos foi oferecida de mão beijada e que para outros, os que contribuíram directa ou indiretamente para a termos, representou uma vida de sofrimento, de problermas e atribulações. Desculpem-me, mas é até uma clara demonstração de total imaturidade pessoal e cívica.
Ora isso não é compatível com a presença que as gerações mais jovens, e bem, tanto apregoam e exigem às gerações mais velhas. A frase não é minha, mas dela nunca devemos esquecer-nos: quem adormece em democracia, acorda em ditadura. Sou dos que entendem que vivemos em várias em simultâneo. Não votar é ser cúmplice da instauração da ditadura da minoria.
Ao continuar a assistir a tudo isto e, sobretudo, continuar a ver que todos continuam a assobiar para o lado, o que pergunto a todos, mais novos ou mais velhos, mais ou menos instruídos, com completa frontalidade, é o seguinte: afinal, de que valeu exigir o voto a Salazar?