Saúde. Demência não significa apenas Alzheimer

Saúde. Demência não significa apenas Alzheimer


Os números relativos à demência são preocupantes e, em 2037, Portugal pode ser o terceiro país da OCDE com mais doentes por cada mil habitantes. Agora, os investigadores associam uma nova proteína à doença que permite perceber que afinal nem todo o tipo de demência é Alzheimer.


Tic-tac, tic-tac, tic-tac. A cada três segundos é diagnosticado um novo caso de demência. É difícil escapar e ilustrar a doença com exemplos não é, de todo, difícil. Por exemplo, Ronald Reagan, antigo Presidente dos Estados Unidos, morreu com 93 anos sem a memória de que tinha sido Presidente em plena Guerra Fria.

A Organização Mundial de Saúde desenha um cenário negro e admite que o número de casos diagnosticados poderá triplicar até 2050. Para Portugal, estima-se que até 2037 existam 322 mil casos de demência e, coloca-se assim o país no topo da lista do grupo da OCDE com mais casos.

Irreversível, progressivo, perda de memória, de raciocínio, de capacidades intelectuais e sociais – é assim que se caracteriza o Alzheimer, a forma mais comum de demência, ocupando cerca de 70% de todos os casos. Mas há novidades e os números atribuídos ao Alzheimer podem não ser tão elevados. No início do mês, uma equipa internacional de investigadores explicou que os diagnósticos feitos até agora podem ter sido analisados de forma errada, daí o fracasso de algumas terapias experimentais. Alguns casos que sempre foram diagnosticados como alzheimer, podem afinal não ser alzheimer. O estudo publicado na revista Brain e coordenado por Peter Nelson, investigador na Univeridade de Kentuchy, descreve um novo tipo de demência chamado Late – acrónimo para encelopatia TDP-43.

Aparentemente, este tipo de demência é tão comum com o alzheimer em pessoas com mais de 80 anos. “Muitos dos ensaios clínicos de tratamento contra o alzheimer fracassam porque estão a incluir pacientes e deveriam excluir-se”, explicou ao El País, María Ángeles Martín Requero, que investiga a proteína TDP-43 na demência.

As diferenças e o que mudou por cá As proteínas que começam a formar-se no cérebro e causam danos nas células cerebrais – causa da perda de memória – são diferentes nos dois tipos de demência: no alzheimer formam-se placas de proteína beta-amilóide e tau, enquanto no Late aparece a proteína TDP-43. Ora, estes dois tipos de demência podem ter sido confundidos até agora, porque também a proteína TDP-43 afeta a memória e a capacidade de raciocínio do doente. No entanto, esta proteína aparece em zonas do cérebro onde, normalmente, o alzheimer não aparece.

É importante perceber que estes dois tipos de demência podem ocorrer em simultâneo e, sobretudo pessoas com mais de 80 anos podem combinar os dois tipos de doença neurodegenerativas. Este é, por isso, um enigma ainda por decifrar.

Isabel Santana, diretora do Serviço de Neurologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra, explicou ao i que a TDP-43 – que, aliás, salienta que não é nova – veio, de certa forma, descansar os médicos. Em certos doentes, “parecia que havia uma doença de Alzheimer, mas depois não tinham biomarcadores [as proteínas beta-amilóide e tau]”, ou seja, não era possível fazer o tratamento adequado, uma vez que o tratamento ia inibir a produção de amilóide, onde ela não existe. No fundo, a TDP-43 veio clarificar o diagnóstico, porque “o essencial é saber que estes doentes [identificados com Late] não podem entrar em ensaios clínicos utilizando anti-amilóide, porque não têm amilóide”.

Existe sempre uma margem de erro. A maior parte dos doentes tem um diagnóstico clínico – baseado nos sintomas –, já que “os diagnósticos das doenças degenerativas têm por base a histologia, com base no estudo do cérebro, e só podemos ter a certeza que é aquela doença se tivermos um estudo do cérebro”, concluiu Isabel Santana.

os números falam por si Numa perspetiva global, a demência afeta cerca de 50 milhões de pessoas. Aliás, se fosse uma empresa, era a maior do mundo. Aumentando o zoom, todos os anos há quase 10 milhões de novos casos por ano – o equivalente à população portuguesa.

Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, em 2017, registaram-se 3839 mortes devido à demência, o que representa 3,5% da mortalidade no país. Nos homens, a morte associada à demência representa 2,5% do total de óbitos – em números, são 1 394. Mas esta doença destaca-se mais nas mulheres, com uma percentagem de 4,5% do total de mortes – 2 445. A comparação entre géneros é simples de fazer: a relação de mortes por demência foi de 57 homens por cada 100 mulheres.

Entre os países da OCDE, o quadro português não é mais animador. Publicado no final do ano passado, o estudo mais recente da OCDE sobre demência revela que, em 2017, Portugal era o quarto país com mais casos de demência – à frente só estava Alemanha, Itália e Japão. E, prevê-se que com o passar do tempo o panorama não melhore, já que o mesmo relatório coloca Portugal na terceira posição do grupo nas previsões para 2037.