Mayxit


A política é um tudo nada mais complexa do que o futebol. A mudança de treinador não garante melhores resultados.


As eleições para o Parlamento Europeu são o mais recente episódio do nonsense em que se transformou o Brexit. Ontem os súbditos de sua majestade britânica (e alguns aliens provenientes de outros Estados da União Europeia que por lá residem e que têm direito a voto nestas eleições) deram alívio ao fígado e inverteram a ordem dos resultados eleitorais normalmente obtidos pelos partidos políticos. Não precisamos de esperar por domingo, dia do anúncio dos resultados em todos os 28 membros a UE, para sabermos que o Sr. Farage ganhou as eleições, seguido pelos Liberais Democratas (os únicos que sempre defenderam abertamente a continuação na UE), os Trabalhistas, os Verdes (a agenda ambiental feel good está na moda) e na cauda os Conservadores, reduzidos a um dígito no percentual dos eleitores. O sistema eleitoral proporcional só torna ainda mais evidente esta inversão da ordem de importância dos partidos.

No momento em que o leitor lê este texto, a Srª May já terá feito a caridade de se demitir ou estará prestes a ser defenestrada pelos companheiros de partido. A piscadela de olho, tardia, ao Labour para tentar, pela quarta vez, fazer passar o acordo para o Brexit em Westminster falhou redondamente. Procurando atrair o eleitorado trabalhista, May propôs a continuação do alinhamento legislativo com a UE em matéria de direito dos trabalhadores, ambiente e produtos (perecíveis) que tenham de passar rapidamente pelas fronteiras (conceito indeterminado que poderia facilmente transformar-se num cavalo de Tróia para toda a regulação do mercado interno…). Cereja no topo do bolo acenou com a possibilidade de o Parlamento devolver a palavra ao povo com um referendo para ratificar o acordo votado em Westminster. Corbyn farejou o odor a morte política de May e recusou o acordo. Os conservadores hardcore ficaram em estado de algidez com a perspectiva de um acordo com o politicamente pestífero Corbyn. Os brexiteers espumaram pela boca gritando Brino (Brexit in Name Only). Por Bruxelas abanou-se a cabeça, com incredulidade face à inviabilidade de um novo acordo, e fez-se silêncio. May, a braços com a 36.ª demissão no seu Governo e a gerir a enésima remodelação, começou por anunciar a divulgação do texto do novo acordo sobre o Brexit para hoje, seguindo-se um adiamento para a primeira semana de Junho, a antecâmara das calendas gregas.

No dia seguinte à defenestração de May, o Reino Unido continuará dividido. Há uma metade fiel ao resultado do referendo de 2016 e uma outra que tem medo de abandonar a UE. Por Westminster mantém-se uma maioria de deputados que fez campanha pelo remain. Nenhum dos (muitos) putativos candidatos à liderança dos Tories terá capacidade para fazer aprovar um acordo sobre o Brexit. O apetite por um Governo liderado por Corbyn é diminuto, sobretudo sem novas eleições.

Nas eleições para o PE os britânicos votarão livremente, sem pensar nas consequências e punindo os partidos tradicionais. Já nas eleições parlamentares antecipadas que se adivinham haverá que escolher uma solução para o Brexit. A complexidade do tema e três anos de demagogia mostraram que é praticamente impossível promover um debate de ideias que contribua para esclarecer os eleitores. E estamos perante o país que inventou e cultiva a arte do debate político. Tendo a discussão falhado, será preciso que alguma coisa mude (com novas eleições) para que tudo fique na mesma (e que o Reino Unido revogue a invocação do artigo 50.º do Tratado da UE). Um Brexit sem acordo tem contra si uma maioria pujante.

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990