Sim, Portugal tem um filme em competição em Cannes. Com a cidade de Sintra, onde foi rodado integralmente, como personagem principal, o último filme de Ira Sachs tem nos créditos produção portuguesa, embora em coprodução com França e o Reino Unido. No entanto, o que vemos e ouvimos deve-se sobretudo ao trabalho dos técnicos experimentados, em particular à fotografia de Rui Poças e à sonoplastia de Vasco Pimentel, ambos com larguíssima experiência no cinema nacional e internacional.
De resto, este é um dos projetos-bandeira dos incentivos fiscais (o chamado cash rebate) concedidos pelo Instituto do Cinema e do Audiovisual para atrair produções de cinema a Portugal. Ainda há dias esteve em Cannes uma delegação do ICA, representado pelo diretor Luís Chaby Vaz e a sua equipa, entre diversos produtores, exibidores e distribuidores nacionais destinada a promover Portugal como destino para a rodagem de filmes.
Este é também um filme rodeado por um cast de vedetas incontornáveis, como Isabelle Hupert, Brendan Gleeson, Greg Kinnear, Marisa Tomei, Jérémie Renier e o português Carloto Cotta, que vimos recentemente dar corpo a Diamantino na longa-metragem de Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt.
Frankie é Isabelle Huppert, uma atriz que reúne os seus familiares, afinal de contas gente ligada do cinema, para lhes dar conta do seu problema de saúde e da sua proximidade com a morte. No entanto isso não retira ao filme a sua magia própria, em particular por nos dar esse abandono das personagens (e atores), como estranhos numa terra estranha, local ideal para uma espécie de reset às suas vidas. Isto numa representação que tem algo de teatral, num estilo de representação intencionalmente muito ligado ao cinema de Eric Rohmer, às suas conversas casuais, ao apenas estar.
É claro que o filme possui um lado de bilhete-postal – algo que se torna difícil de esconder quando se trata de Sintra, com todos os seus landmarks, o castelo da Pena, e até a praia do Guincho ou das Maçãs. Em certa medida, o filme serve vem essa ideia de ‘vender’ a imagem de Sintra e Portugal.
A definição da família
Em conversa com o i, o realizador de 53 anos, autor de Love is Strange – O Amor é uma Coisa Estranha (2014) e Homenzinhos (2016), confessa a intenção de nos confrontar com essa proximidade com a necessidade de uma despedida. “Nos últimos tempos percebi como a vida é tão forte”, refere, mas “continua o seu curso independentemente de tudo o que possa acontecer. No fundo, isso é a definição da família, algo que subsiste mesmo depois de crises”.
A escolha por Portugal acabou por ser sugerida pelo brasileiro Mauricio Zacharias, seu parceiro criativo, cuja mãe é portuguesa e terá recomendado Sintra. Isso fez Ira Sachs recordar o tempo em que tinha passado alguns dias em Sintra com a sua família e de ter até feito um diário.
“Quando chegamos a Sintra pela primeira vez temos um choque, por ser tão deslumbrante”, revela-nos. “Tudo tem a ver com o facto de permanecer lá e ficar familiarizado com o local”. O realizador explica ainda que o fez para a Isabelle que conheceu depois de Love is Strange. “Eu nunca faria um filme com a Isabelle em França. Era importante encontrar um local que fosse diferente de onde ela é”.
Revela ainda o conforto de trabalhar com uma equipa totalmente portuguesa. “O Rui (Poças) e eu tivemos uma experiência incrível”. Sobretudo aquela em que o diretor de fotografia criou uma cena mágica: “Disse-me que foi o filme mais difícil que filmou, mas o que o torna tão brilhante é que faz parecer tudo fácil. A ideia foi filmar tudo como se não precisássemos de cortes para enfatizar emoções. Isso permite que o público observe o ator e a personagem. Ou seja, estamos a ver a performance. Há aqui um estilo teatral, uma certa intimidade. É como vermos os atores e a personagem ao mesmo tempo”. Sim, Frankie é um pouco isso.
O mérito dos técnicos portugueses
Frankie é também um filme rodeado por mistérios, o de Frankie, o do destino, seja romântico, pessoal ou amoroso, das personagens, mas também o mistério próprio deste micro-clima. O que permitiu até a “magia” da fotografia de Rui Poças, ao criar um efeito de luz natural, que permite ao filme ter a sua magia própria. Por conhecer bem os caprichos do clima de Sintra, implorou ao realizador algum tempo extra para esperar pela “abertura” que desejava: “Às tantas percebi que havia a hipótese de abrir o sol e fazer um efeito de nuvem por baixo. Então pedi ao Ira para fazer mais um take. Acabei por acertar. O plano não tem nenhum efeito visual, é tudo natural”.
O mesmo se passa com a qualidade de som irrepreensível assegurada por Vasco Pimentel, um técnico com quase 50 anos de experiência, com quem Poças trabalha há mais de 20 anos. “O Vasco é um cinéfilo”, elogia Poças. “Quando trabalhamos com pessoas assim é muito diferente. Muitas vezes as equipas de hoje não têm muito conhecimento, diferente é trabalhar com pessoas que têm um amor profundo por aquilo que fazem”.
Luís Urbano, o produtor português de O Som e a Fúria, explicou alguns detalhes sobre este projeto, que fez enquanto produzia outro três filmes (Patrick, de Gonçalo Waddington, Technoboss, de João Nicolau e A Travessia de Pedro, da brasileira Laís Bodanzki). Urbano concorda que “Frankie foi um dos projetos que inaugurou o sistema de cash rebate do ICA. É um projeto bandeira porque atrai a filmar em Portugal e atrai também para filmar com técnicos portugueses. Isso é bastante importante”. Até porque, diz Urbano com orgulho, “nós conseguimos fazer melhor e mais barato, porque com menos pessoas”.
Este filme que chegou ao concurso para a Palma de Ouro de Cannes teve um orçamento “muito barato”, como confirmou o produtor português. “Custou dois milhões e duzentos mil euros”. A parte portuguesa, com toda a preparação e rodagem, não contando com os salários dos atores, terá andada à volta dos 900 mil euros.
Urbano confirmou que Frankie irá estrear em Portugal, provavelmente entre Outubro e novembro.
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