Passageiros em lata e portugueses entalados


Entre nós reinam a incompetência e a manipulação da forma mais despudorada.


1. Como esperado e denunciado desde logo pelos mais lúcidos, a forte e desejável descida do preço dos passes dos transportes nos grandes centros urbanos, nomeadamente em Lisboa, está a ter a sua contrapartida na degradação do serviço, agravando ainda mais condições de conforto e de segurança dos passageiros, já antes lamentáveis.

Da semana passada, retém-se a notícia de que a Fertagus e a CP, na Linha de Sintra, estão a retirar assentos para colocar mais gente a viajar de pé, enquanto nas travessias do Tejo de barco (nomeadamente na Soflusa) se multiplicam as falhas no equipamento e a falta de funcionários, para desespero dos passageiros, revoltados. 

Nada do que está a acontecer por todo o lado é surpreendente. É o que acontece sempre que se procura empurrar com a barriga. Toda a gente concorda com a descida dos passes, mas há dois problemas a emergir. Por um lado, o material continua a desgastar-se cada vez mais depressa sem que haja renovação expetável antes de quatro anos e, por outro, confrontadas com os cíclicos atrasos dos pagamentos do Estado da dupla Costa/Centeno, as empresas de transportes estão a ficar sistematicamente sem recursos, o que lesa os passageiros, as suas expetativas e a rentabilidade do trabalho de cada um e, portanto, a economia nacional.

Simultaneamente, quem circula de carro não sente diferença significativamente positiva nos acessos às grandes cidades ou nas saídas à hora de ponta. As filas continuam a ser enormes e o uso do automóvel mantém-se como recurso essencial e caríssimo para muitos dos que trabalham e têm de se movimentar por diversos motivos, nomeadamente transportar crianças. Aliás, há oito semanas que os preços dos combustíveis sobem, sem que haja razões para isso.

Em síntese, e apesar da larga concordância política que houve à volta da questão da diminuição substancial dos preços exorbitantes dos passes, podemos hoje dizer que a medida não alcançou um dos seus objetivos principais, que era diminuir o acesso automóvel e a poluição nas grandes cidades. Ao mesmo tempo, prejudicou o conforto relativo de muita gente. Claro que, num país onde se ganha miseravelmente, todo o euro que se poupe é importante para as famílias que vivem no limiar da pobreza, fazendo sacrifícios inacreditáveis para sobreviver e dar algum conforto aos que têm a cargo, sejam crianças, adolescentes ou velhotes. O Governo deu uma benesse, mas ela é paga depois nos impostos e também através de condições piores de transporte e de segurança e sem vantagens em termos de ambiente. Ou será que alguém sente diferença no ar que respira? 

2. Um claro sinal de incompetência foi o que se passou com a votação antecipada para as eleições europeias que o Governo preparou. A afluência foi maior do que se esperava e ninguém fez as contas ao número de recenseados. Resultado: houve filas gigantes e gente a desistir depois de muita espera. Lá está uma situação típica da governança nacional. Decide-se sem pensar e, depois, as coisas falham. Exemplos não faltam em tantas áreas, nomeadamente na Segurança Social, onde apareceu há meses um simulador de reformas que nem sempre bate certo e que não explica que entre o pedido e o recebimento pode passar mais de um ano, com os contribuintes na penúria enquanto Vieira da Silva trata de colocar a família e os amigalhaços.

3. Sistematicamente aparecem notícias preocupantes a respeito do Montepio. É assim há anos e a confusão no grupo, composto pelo banco e pela mutualista que o controla, não diminui. Esta semana, o Público noticiou que o Montepio vai criar um banco novo e parquear lá os melhores clientes. Ou seja, vai transferir o bife do lombo e deixar os ossinhos aos remediados e pobres depositantes bancários e aos mais de 600 mil mutualistas. É tempo de alguém olhar com olhos de ver e evitar o que pode estar iminente: um estoiro com lesados que nunca verão um tostão e outros que continuarão a fazer um vidão. Depois, nas inevitáveis comissões de inquérito, lá irão uns quantos fazer de tontos e desinformados no Parlamento. É caso para dizer que é tempo de prevenir, porque depois não haverá como remediar. 

4. Após a palhaçada que foi a ida de Joe Berardo ao Parlamento, as atenções viraram-se para a lista dos comendadores de que ele faz parte, e logo duas vezes. Há várias maneiras de olhar para essa lista. Uma é ver quem lá está e se mostrou indigno de tal reconhecimento. Outra é ver quem lá não está e devia estar. Há um nome que recorrentemente vem à memória quando se analisa as listas nesta última perspetiva: Emídio Rangel. O malogrado fundador da TSF e primeiro diretor da SIC nunca viu em vida ou a título póstumo o seu enorme mérito reconhecido pelo Estado português. Alguém explica?

 

Escreve à quarta-feira

Passageiros em lata e portugueses entalados


Entre nós reinam a incompetência e a manipulação da forma mais despudorada.


1. Como esperado e denunciado desde logo pelos mais lúcidos, a forte e desejável descida do preço dos passes dos transportes nos grandes centros urbanos, nomeadamente em Lisboa, está a ter a sua contrapartida na degradação do serviço, agravando ainda mais condições de conforto e de segurança dos passageiros, já antes lamentáveis.

Da semana passada, retém-se a notícia de que a Fertagus e a CP, na Linha de Sintra, estão a retirar assentos para colocar mais gente a viajar de pé, enquanto nas travessias do Tejo de barco (nomeadamente na Soflusa) se multiplicam as falhas no equipamento e a falta de funcionários, para desespero dos passageiros, revoltados. 

Nada do que está a acontecer por todo o lado é surpreendente. É o que acontece sempre que se procura empurrar com a barriga. Toda a gente concorda com a descida dos passes, mas há dois problemas a emergir. Por um lado, o material continua a desgastar-se cada vez mais depressa sem que haja renovação expetável antes de quatro anos e, por outro, confrontadas com os cíclicos atrasos dos pagamentos do Estado da dupla Costa/Centeno, as empresas de transportes estão a ficar sistematicamente sem recursos, o que lesa os passageiros, as suas expetativas e a rentabilidade do trabalho de cada um e, portanto, a economia nacional.

Simultaneamente, quem circula de carro não sente diferença significativamente positiva nos acessos às grandes cidades ou nas saídas à hora de ponta. As filas continuam a ser enormes e o uso do automóvel mantém-se como recurso essencial e caríssimo para muitos dos que trabalham e têm de se movimentar por diversos motivos, nomeadamente transportar crianças. Aliás, há oito semanas que os preços dos combustíveis sobem, sem que haja razões para isso.

Em síntese, e apesar da larga concordância política que houve à volta da questão da diminuição substancial dos preços exorbitantes dos passes, podemos hoje dizer que a medida não alcançou um dos seus objetivos principais, que era diminuir o acesso automóvel e a poluição nas grandes cidades. Ao mesmo tempo, prejudicou o conforto relativo de muita gente. Claro que, num país onde se ganha miseravelmente, todo o euro que se poupe é importante para as famílias que vivem no limiar da pobreza, fazendo sacrifícios inacreditáveis para sobreviver e dar algum conforto aos que têm a cargo, sejam crianças, adolescentes ou velhotes. O Governo deu uma benesse, mas ela é paga depois nos impostos e também através de condições piores de transporte e de segurança e sem vantagens em termos de ambiente. Ou será que alguém sente diferença no ar que respira? 

2. Um claro sinal de incompetência foi o que se passou com a votação antecipada para as eleições europeias que o Governo preparou. A afluência foi maior do que se esperava e ninguém fez as contas ao número de recenseados. Resultado: houve filas gigantes e gente a desistir depois de muita espera. Lá está uma situação típica da governança nacional. Decide-se sem pensar e, depois, as coisas falham. Exemplos não faltam em tantas áreas, nomeadamente na Segurança Social, onde apareceu há meses um simulador de reformas que nem sempre bate certo e que não explica que entre o pedido e o recebimento pode passar mais de um ano, com os contribuintes na penúria enquanto Vieira da Silva trata de colocar a família e os amigalhaços.

3. Sistematicamente aparecem notícias preocupantes a respeito do Montepio. É assim há anos e a confusão no grupo, composto pelo banco e pela mutualista que o controla, não diminui. Esta semana, o Público noticiou que o Montepio vai criar um banco novo e parquear lá os melhores clientes. Ou seja, vai transferir o bife do lombo e deixar os ossinhos aos remediados e pobres depositantes bancários e aos mais de 600 mil mutualistas. É tempo de alguém olhar com olhos de ver e evitar o que pode estar iminente: um estoiro com lesados que nunca verão um tostão e outros que continuarão a fazer um vidão. Depois, nas inevitáveis comissões de inquérito, lá irão uns quantos fazer de tontos e desinformados no Parlamento. É caso para dizer que é tempo de prevenir, porque depois não haverá como remediar. 

4. Após a palhaçada que foi a ida de Joe Berardo ao Parlamento, as atenções viraram-se para a lista dos comendadores de que ele faz parte, e logo duas vezes. Há várias maneiras de olhar para essa lista. Uma é ver quem lá está e se mostrou indigno de tal reconhecimento. Outra é ver quem lá não está e devia estar. Há um nome que recorrentemente vem à memória quando se analisa as listas nesta última perspetiva: Emídio Rangel. O malogrado fundador da TSF e primeiro diretor da SIC nunca viu em vida ou a título póstumo o seu enorme mérito reconhecido pelo Estado português. Alguém explica?

 

Escreve à quarta-feira