Sempre me incomodou um pouco a ideia disseminada em várias campanhas nacionais de que quem dá sangue é herói. Primeiro, porque não há heróis; segundo, porque não entendo como se pode enquadrar a dádiva de sangue nesse conceito. Atenção, eu sou dador. Não me sinto é herói, nem melhor nem pior do que aqueles que não o fazem, sobretudo dos que não o fazem por não poderem.
Tirar algum tempo da semana – que é cada vez mais precioso – ou dos dias de descanso para ir doar sangue é um gesto bonito por parte de quem pode fazê-lo. Heróis, se existissem, seriam muitas vezes aqueles que precisam do sangue, ou aqueles que por doenças passadas ou por outro qualquer motivo estão impedidos de dar sangue.
Esta reflexão vem a propósito da minha última incursão no Instituto Português do Sangue e da Transplantação, que fica nas instalações do Hospital Júlio de Matos. Numa das paredes, um cartaz com alguma dimensão punha um fim a esta ideia._A_mensagem era qualquer coisa do género: dar sangue não é ser herói.
Esta colagem aos super-heróis é talvez uma forma de as autoridades conseguirem, através da ilusão – e como tanta gente precisa dela –, aumentar as colheitas. Tal e qual como acontece com os outros incentivos que são dados, para dessa forma fazer passar a ideia de que aquele gesto compensa. Como se isso fosse preciso.
Tudo isto tira o foco de quem mais interessa nesta equação, porque quem dá sangue não o faz – ou não deveria fazê-lo – para se sentir isto ou aquilo, apenas para ajudar.
Esta bem que poderia ser uma má estratégia de Portugal, mas não é. Em muitos países, esta associação é feita, basta uma pequena pesquisa na internet para perceber. Saí do IPST a pensar que alguém já se tinha apercebido da injustiça que se andou anos a cometer (e quero acreditar que, se calhar, foi o que aconteceu). Voltei a lembrar-me do caso em Madrid em que dei de caras com uma campanha numa caravana de recolha de sangue com a mensagem: “Seja um herói”. No próximo mês celebra-se o Dia Mundial do Dador de Sangue: aproveite para doar sangue, se puder, não para ser herói, mas pela vida de quem precisa.
Jornalista