As portas que Abril não abriu e que a esquerda insiste em fechar-nos


O 25 de Abril foi uma importantíssima vitória para todos aqueles que, como eu, acreditam que só um regime democrático tem a capacidade de servir e honrar o seu povo. Sobre isso não tenho dúvidas nenhumas, nem receio algum de ostentar um cravo na lapela e saudar todos os heróis que resistiram à ditadura e…


Abril cumpriu o seu propósito maior de efetivar a democracia – sobre isso, não há nada que duvidar. No entanto, o facto de vivermos num regime democrático não quer dizer que vivamos em liberdade. Hoje, tal como no tempo da ditadura, vivemos presos a um Estado que, já não sendo repressivo, continua a ser paternalista, moralista, corporativista e saqueador.

Paternalista porque se arroga ao direito de fazer escolhas que não respeitam a individualidade de cada cidadão, moralista porque nos impõe uma visão da sociedade que nunca fomos chamados a escolher, corporativista porque alimenta uma casta de burocratas e saqueador porque todos os dias nos vai à carteira para continuar a alimentar o seus vícios.

Vivemos num paternalismo estatal que tenta desesperadamente construir um homem novo. Livre de vícios como o álcool e o tabaco, afastado de tradições apelidadas de bárbaras como a tourada ou a caça, tendencialmente vegetariano, laico, socialista e a viver de acordo com aquilo a que uma nova moralidade pós-
-moderna nos obriga. Que ninguém duvide que existe um processo em curso de higienização da sociedade. No fim de tudo isto, nada nos distinguirá uns dos outros, porque o nosso mapa de valores será exatamente igual.

Por outro lado, o moralismo do Estado anula a capacidade de pensarmos pela nossa própria cabeça e manifesta-se nas mais pequenas coisas: no empresário da restauração que daqui a pouco tempo não poderá escolher se quer ter ou não fumadores no seu estabelecimento (embora seja seu); no aluno do ensino secundário que é obrigado a decorar uma visão parcial e distorcida da história de Portugal que vai do fim da monarquia ao início da i República; no funcionário do hospital que está proibido de comprar produtos alimentares que fazem mal à saúde; na mulher grávida que é proibida de fazer as suas vacinas no privado; e nos cidadãos que votaram contra no referendo à interrupção voluntária da gravidez e que, menos de dez anos depois, viram o referendo ser repetido para que a votação ficasse de acordo com a nova moral do Estado.

Se o paternalismo do Estado ainda que praticamente só se manifesta enquanto lavagem cerebral e se o moralismo tem uma carga legislativa que o sustenta relativamente pequena e ainda bastante maquilhada, o mesmo não se pode dizer do corporativismo. Temos um Estado orgulhosamente balofo, organizado em torno das suas clientelas e que protege os seus vários peões, sejam eles interesses na banca, nos sindicatos, ou nos partidos. Podemos falar de pessoas individuais, famílias, grupos de pressão ou classes profissionais dependentes do erário público, mas que ninguém duvide que existe um Portugal de privilegiados, sustentado por quem realmente trabalha ou empreende.

Por fim, todos estes vícios só podem ser sustentados recorrendo ao saque fiscal. Nesta matéria, vivemos num Estado perto do autoritário, onde somos obrigados a pagar a peso de ouro os direitos que quase nunca nos são oferecidos com eficácia e qualidade. Transportes que se atrasam, hospitais com listas de espera, escolas degradadas no centro das grandes cidades, serviços de segurança social vergonhosos e serviços públicos com horas de espera dignas de uma república centro-africana. Continuamos a ser o país onde o Estado persegue quem empreende, castiga quem ousa ter sucesso, cria leis laborais com a única finalidade de proteger quem menos se esforça e penalizar quem é mais batalhador e, cereja no topo do bolo, ainda nos proíbe de escolhermos – ora aí está, em liberdade – se preferimos usar o dinheiro nos nossos impostos em serviços privados, por exemplo, de saúde ou educação.

Muito mais havia a dizer, mas talvez o que escrevi até agora seja suficiente para ilustrar o nosso Portugal. É bom comemorarmos a democracia, mas seria ainda melhor podermos um dia comemorar a liberdade. Porque nada me demove de pensar que, ontem como hoje, menos Estado será sem dúvida um melhor Estado.

 

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As portas que Abril não abriu e que a esquerda insiste em fechar-nos


O 25 de Abril foi uma importantíssima vitória para todos aqueles que, como eu, acreditam que só um regime democrático tem a capacidade de servir e honrar o seu povo. Sobre isso não tenho dúvidas nenhumas, nem receio algum de ostentar um cravo na lapela e saudar todos os heróis que resistiram à ditadura e…


Abril cumpriu o seu propósito maior de efetivar a democracia – sobre isso, não há nada que duvidar. No entanto, o facto de vivermos num regime democrático não quer dizer que vivamos em liberdade. Hoje, tal como no tempo da ditadura, vivemos presos a um Estado que, já não sendo repressivo, continua a ser paternalista, moralista, corporativista e saqueador.

Paternalista porque se arroga ao direito de fazer escolhas que não respeitam a individualidade de cada cidadão, moralista porque nos impõe uma visão da sociedade que nunca fomos chamados a escolher, corporativista porque alimenta uma casta de burocratas e saqueador porque todos os dias nos vai à carteira para continuar a alimentar o seus vícios.

Vivemos num paternalismo estatal que tenta desesperadamente construir um homem novo. Livre de vícios como o álcool e o tabaco, afastado de tradições apelidadas de bárbaras como a tourada ou a caça, tendencialmente vegetariano, laico, socialista e a viver de acordo com aquilo a que uma nova moralidade pós-
-moderna nos obriga. Que ninguém duvide que existe um processo em curso de higienização da sociedade. No fim de tudo isto, nada nos distinguirá uns dos outros, porque o nosso mapa de valores será exatamente igual.

Por outro lado, o moralismo do Estado anula a capacidade de pensarmos pela nossa própria cabeça e manifesta-se nas mais pequenas coisas: no empresário da restauração que daqui a pouco tempo não poderá escolher se quer ter ou não fumadores no seu estabelecimento (embora seja seu); no aluno do ensino secundário que é obrigado a decorar uma visão parcial e distorcida da história de Portugal que vai do fim da monarquia ao início da i República; no funcionário do hospital que está proibido de comprar produtos alimentares que fazem mal à saúde; na mulher grávida que é proibida de fazer as suas vacinas no privado; e nos cidadãos que votaram contra no referendo à interrupção voluntária da gravidez e que, menos de dez anos depois, viram o referendo ser repetido para que a votação ficasse de acordo com a nova moral do Estado.

Se o paternalismo do Estado ainda que praticamente só se manifesta enquanto lavagem cerebral e se o moralismo tem uma carga legislativa que o sustenta relativamente pequena e ainda bastante maquilhada, o mesmo não se pode dizer do corporativismo. Temos um Estado orgulhosamente balofo, organizado em torno das suas clientelas e que protege os seus vários peões, sejam eles interesses na banca, nos sindicatos, ou nos partidos. Podemos falar de pessoas individuais, famílias, grupos de pressão ou classes profissionais dependentes do erário público, mas que ninguém duvide que existe um Portugal de privilegiados, sustentado por quem realmente trabalha ou empreende.

Por fim, todos estes vícios só podem ser sustentados recorrendo ao saque fiscal. Nesta matéria, vivemos num Estado perto do autoritário, onde somos obrigados a pagar a peso de ouro os direitos que quase nunca nos são oferecidos com eficácia e qualidade. Transportes que se atrasam, hospitais com listas de espera, escolas degradadas no centro das grandes cidades, serviços de segurança social vergonhosos e serviços públicos com horas de espera dignas de uma república centro-africana. Continuamos a ser o país onde o Estado persegue quem empreende, castiga quem ousa ter sucesso, cria leis laborais com a única finalidade de proteger quem menos se esforça e penalizar quem é mais batalhador e, cereja no topo do bolo, ainda nos proíbe de escolhermos – ora aí está, em liberdade – se preferimos usar o dinheiro nos nossos impostos em serviços privados, por exemplo, de saúde ou educação.

Muito mais havia a dizer, mas talvez o que escrevi até agora seja suficiente para ilustrar o nosso Portugal. É bom comemorarmos a democracia, mas seria ainda melhor podermos um dia comemorar a liberdade. Porque nada me demove de pensar que, ontem como hoje, menos Estado será sem dúvida um melhor Estado.

 

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