Os sistemas de informação relativos ao acesso aos cuidados prestados pelo Serviço Nacional de Saúde têm limitações e ineficácias “preocupantes” que põem em causa os direitos dos utentes. A conclusão é do grupo técnico independente criado por determinação da tutela em 2017, após serem conhecidos os resultados da auditoria do Tribunal de Contas ao acesso a cuidados de saúde no SNS – cujas conclusões arrasavam a gestão dos tempos de espera, dando conta de que havia sido feita uma limpeza artificial para reduzir listas de espera.
O grupo técnico concluiu que é preciso evitar estas situações no futuro, recomendando que sejam adotadas “medidas adequadas para que a garantia da qualidade da informação de gestão do acesso a cuidados de saúde não seja o resultado de medidas de limpeza ou expurgo das listas de espera, das quais resulte, como aconteceu no passado, a eliminação de doentes/utentes das listas de espera”. Já quanto ao impacto real que tal ‘limpeza’ teve na redução efetiva do Tempo Médio de Espera, o relatório assume que não foi possível apurar, justificando que a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) não disponibilizou elementos que permitam fazer essa avaliação.
Outra das conclusões a que o grupo chegou dá conta de que os lapsos dos hospitais contribuem, a par de outros fatores, para o aumento das listas de espera para cirurgias programadas.
A ACSS disse ontem ao i que as recomendações feitas “têm vindo a ser consideradas, e implementadas”. Fonte oficial reforçou ainda que foi definido “um plano de ação para implementação de todas as recomendações relacionados com a gestão do acesso ao SNS, principalmente na melhoria dos sistemas de informação que suportam o acesso ao SNS e da sua interoperabilidade com os restantes sistemas de informação do SNS”.
Sobre as ineficiências e lapsos que podem contribuir para o aumento das listas de espera, a mesma fonte explica: “A ACSS envia, mensalmente, para as unidades regionais (ARS) e locais (hospitais e ACES) de gestão do acesso, um conjunto de informação detalhada (incluindo alarmística) sobre o processo de gestão do acesso, de forma a garantir que localmente sejam detetadas eventuais situações pontuais que estejam a ser incorretamente efetuadas e que têm de ser localmente resolvidas”.
Entre as diversas medidas implementadas ou em fase de implementação – como a criação do Portal SNS em 2016 e as orientações dadas a entidades do SNS para garantir a qualidade da informação – a ACSS destaca “que no final do ano passado existiam mais cerca de 9 mil profissionais no SNS do que no final de 2015, permitindo concluir que as instituições estão hoje mais robustecidas e melhor preparadas”.
O que diz o relatório O documento feito pelo grupo técnico independente, que já está nas mãos da tutela desde agosto de 2018, refere que os “sistemas de informação […] nomeadamente o Sistema Consulta a Tempo e Horas (CTH) e o Sistema Integrado de Gestão da Lista de Inscritos para Cirurgia (SIGLIC) […] apresentam constrangimentos” devido à dispersão de informação e à não uniformização dos sistemas locais. Ou seja, os dados não estão centralizados nem uniformizados.
O grupo liderado pelo Bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, e que contou com a participação do atual secretário de Estado Adjunto da Saúde Francisco Ramos, considerou que “para além dos constrangimentos em diversos momentos de funcionamento do Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC), existem problemas de falta de informação por parte dos prestadores ou das entidades responsáveis […] aos doentes/utentes, impactando na sua esfera de direitos”.
E, por isso, afirmam subsistir “o desafio de garantir de forma adequada a concretização do direito à informação designadamente no que diz respeito à posição relativa na lista de inscritos para os cuidados de saúde”.
“A ineficácia dos mecanismos de gestão, controlo e monitorização da informação sobre as diferentes áreas de acesso aos cuidados de saúde, assim como a evolução de inscritos para primeira consulta de especialidade hospitalar e para cirurgia […] são preocupantes”, alertam.
É preciso saber mais do que o tempo de espera
Segundo o grupo de trabalho, fica patente a fragmentação de indicadores, bem como a falta de vetores qualitativos, situação que dificulta uma abordagem global do acesso ao SNS. Lembrando que saber o tempo de espera não é tudo, a equipa refere ser essencial ter informação sobre “a evolução da patologia em causa, os níveis de ansiedade, a quantidade e multiplicidade de contactos necessários com o sistema de saúde, as consequências de custos diretos e indiretos como a perda de produtividade daí decorrentes”.
E insistem que os indicadores hoje conhecidos só transmitem parte da informação, comprometendo decisões livres e informadas dos utentes no âmbito do livre acesso e circulação: “Sem informação sobre a capacidade de resposta instalada e o respetivo nível de utilização […] o tempo médio de resposta é um indicador que poderá levar à perversão do seu objetivo”. Isto porque pode haver hospitais no limite de resposta com um tempo médio melhor que outros com menos sobrecarga e que são mais ineficientes. Ou seja, a simples métrica temporal não permite avaliar a qualidade dos serviços.
Quem definiu critérios dos tempos máximos?
Segundo o relatório não estão disponíveis os critérios usados para definir os Tempos Máximos de Resposta Garantida (TMRG) para consultas ou cirurgias: “Nem foi possível ter acesso a informação classificada que permitisse entender se os critérios utilizados foram clínicos e/ou políticos, e qual o ratio subjacente aos memos. Na ausência de critérios clínicos objetivos infere-se que a decisão subjacente à definição dos TMRG terá sido política”. E acrescenta ainda que “dado que à diminuição dos TMRG não correspondeu um aumento proporcional na capacidade de reposta dos vários hospitais do SNS, poder-se-ia concluir que a estratégia terá passado, apenas, pela garantia do incremento da emissão de Vales Cirurgia”.
Mas a estratégia não está a ter impacto, uma vez que só um quinto dos vales emitidos são utilizados pelos utentes. Por tudo isso, o documento conclui que a solução para melhorar a capacidade e a qualidade de resposta dos hospitais tem de passar pelo reforço do capital humano e de instalações e equipamentos.
Lapsos de hospitais contribuem para atrasos
“A análise do funcionamento do SIGIC permite-nos concluir que os sucessivos adiamentos e cancelamentos de cirurgias, nomeadamente por lapso do hospital e pendências da inscrição em Lista de Inscritos para Cirurgia para além do previsto […] bem como constrangimentos relativos à inscrição e gestão da LIC e ainda os atrasos na emissão dos Vales Cirurgia/Nota de Transferência, ou mesmo a sua não emissão, contribuem para o aumento dos tempos de espera para o acesso a cirurgia programada”, refere o relatório.
A terminar lembra que o aumento da produtividade clínica anunciada nem sempre se faz acompanhar de um aumento da qualidade.
As Recomendações
Melhorar o acesso aos cuidados do Serviço Nacional de Saúde pressupõe que deixe de haver informação dispersa, que se financie de forma adequada os sistemas de informação para que seja possível atualizar o parque informático e ainda promover a humanização da relação médico-utente._Estas são algumas das recomendações, a que se juntam a necessidade de definir os tempos máximos de resposta com critérios clínicos e de avaliações periódicas por entidades externas à ACSS da qualidade e robustez dos indicadores de acesso – que devem ir além do tempo de espera. Defendem ainda o investimento na capacidade de resposta do SNS.