O direito à indignação… a propósito de duas notícias do Público de ontem

O direito à indignação… a propósito de duas notícias do Público de ontem


A senhora procuradora Cândida Vilar fez mais, no último processo em que interveio, pela justiça militar, pela “aquisição” de consciência dos militares perante a justiça (total), pela sua ação corajosa, determinada e… legal que muitas aulas, conferências e seminários que por aí abundam.


Cedo fiquei sensível (e alerta) às questões da justiça e disciplina militar porque, logo enquanto tenente em Mafra, fui alvo de um processo disciplinar no qual foram para mim evidentes as insuficiências da minha formação nestes assuntos.

Regressado à Academia Militar como capitão (agosto de 1980), apresentei um plano (que foi aprovado) de formação de cerca de 40 horas, a ministrar nas designadas Instruções do Corpo de Aluno (ICA e IM6) aos alunos dos últimos anos (3.o e 4.o). Dediquei-me, apetrechei-me, preparei as lições (essencialmente práticas) e os auxiliares de instrução – e por aí estive três anos, numa cruzada “evangélica e apostólica”.

Não devo ter adiantado muito – perante os resultados que, ao longo da minha vida militar de quase meio século, fui observando.

Os militares, genericamente – nesta matéria como noutras –, sempre se consideraram e atuaram como “um Estado dentro de outro Estado”.

Sejamos claros, objetivos e… justos.

Circunstâncias e situações existem (felizmente, poucas) em que se justifica uma especial preparação dos agentes intervenientes nas diversas fases do processo (a investigação, a acusação e o julgamento). Mas estas requerem, obrigatoriamente, a presença de “gente” especialmente preparada, treinada e “ambientada”.

Não é, de todo, o que tem acontecido. Por iniciativa do ex-CEME, general Silva Viegas (o que saiu zangado com Paulo Portas), foi criado no Exército o Quadro Especial de Juristas, nunca alimentado nem mantido… E continuam a enviar-se para estas missões militares sem qualquer aptidão, requisito prévio, formação ou mesmo preparação, como se de qualquer outra missão se tratasse.

Por isso, ao ler duas notícias (com chamada à capa) do Público de ontem (10 de abril), a minha indignação atingiu o máximo.

Não precisarei de evocar Mário Soares – mas, no momento em que termina a sua carreira de magistrada do Ministério Público, a procuradora Cândida Vilar não merecia o que estão a fazer-lhe.

A senhora procuradora Cândida Vilar fez mais, no último processo em que interveio, pela justiça militar, pela “aquisição” de consciência dos militares perante a justiça (total), pela sua ação corajosa, determinada e… legal que muitas aulas, conferências e seminários que por aí abundam.

Obrigado e bem haja, senhora procuradora, por mais este significativo e importante serviço público prestado às Forças Armadas, a Portugal e aos portugueses! Sobre aquilo de que a acusam, serei sua testemunha, onde e quando for preciso, pois conheço-os muito bem e… eles também me conhecem.

Num Estado “condecorador”, muito bem ficaria ao chanceler das Ordens Portuguesas que procedesse a mais um dos seus gestos de justiça – e condecorasse devidamente, com a adequada ordem honorífica, a procuradora Cândida Vilar.

A bem da República, de Portugal e dos portugueses (e, já agora, das portuguesas).

Lisboa, 10 de abril de 2019

 

Major-general reformado