Salvator Mundi. A pintura mais cara de sempre evaporou-se

Salvator Mundi. A pintura mais cara de sempre evaporou-se


A história do Salvator Mundi, uma representação de Cristo alegadamente pintada por Leonardo da Vinci em 1500, está cheia de altos e baixos, de luzes e sombras. O quadro parece ter uma capacidade excecional para desaparecer sem deixar rasto. Depois de ter realizado 450 milhões de dólares num leilão em 2017, ninguém sabe do seu…


Onde foi parar a pintura de Leonardo Da Vinci que em novembro de 2017 fez manchetes em todo o mundo ao atingir 450 milhões de dólares (400 milhões de euros) num leilão em Nova Iorque? Estava previsto a obra ter sido apresentada publicamente em setembro do ano passado no novo Louvre de Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos) mas o acontecimento foi cancelado sem que fossem dadas explicações. Agora, a seis meses de o Louvre inaugurar uma grande exposição para assinalar os 500 anos da morte do mestre do Renascimento, ninguém sabe do seu paradeiro.

O Salvator Mundi parece, de resto, ter vida própria – ou, pelo menos, uma capacidade excecional para desaparecer sem deixar rasto. Pintado por Leonardo Da Vinci em redor do ano 1500, pertenceu às coleções do rei Carlos I de Inglaterra, reaparecendo em 1763 no rol dos bens vendidos em leilão por um filho ilegítimo do primeiro duque de Buckingham.

A pintura esteve desde então em parte incerta até 1900, quando foi adquirida pelo milionário Sir Francis Cook (proprietário do palácio de Monserrate, em Sintra) para a sua residência em Richmond, Londres. Em 1958, em mau estado e identificada como obra de um seguidor de Leonardo, atingiu o ponto mais baixo da sua reputação: na venda da coleção Cook pela Sotheby’s, mudou de mãos por umas meras 45 libras esterlinas. E voltou a mergulhar na penumbra do esquecimento por quase meio século.

Até que, em 2005, inicia a sua ascensão meteórica, quando aparece numa pequena leiloeira americana e é adquirida por um grupo de negociantes de arte e colecionadores. As suspeitas de que se trata de uma obra perdida de Leonardo ganham força e os novos proprietários tentam descobrir tudo o que se pode saber sobre ela. Como numa investigação policial, escavam nos arquivos, analisam a pintura e falam com especialistas.

Durante cinco anos sujeitam-na a um processo de restauro exaustivo (antes da intervenção, diziam as más-línguas, o Cristo representado parecia estar sob o efeito de drogas…) e por fim obtêm dos maiores especialistas no assunto um certificado de autenticidade. Em 2011 a obra é exposta na National Gallery, em Londres, como saída das mãos do mestre toscano. A partir daí já não há dúvidas sobre a autoria.

A operação compensou largamente: em menos de dez anos, a pintura valorizou loucamente, sendo em 2013 adquirida por 127,5 milhões de dólares pelo oligarca russo Dmitry Rybolovlev (que no ano passado foi acusado de corrupção numa fraude relacionada com a aquisição de obras de arte). Mas a saga estava longe de terminar. Ao ver-se a braços com o divórcio mais caro da história, Rybolovlev decidiu alienar a sua coleção de arte para pagar a fatura.

Noventa milhões era o mínimo que o vendedor aceitava para se separar do Leonardo. Alguns especialistas duvidavam que alguém arriscasse pagar tanto por ela, mas no leilão não demorou a superar essa marca. Depois, foi subindo a intervalos de dez milhões até chegar aos 200. Na sala da Christie’s, muitos ficaram de boca aberta. Porém, o valor continuou a subir, numa teimosa luta a dois. Ao fim de 20 minutos, um dos interessados perdeu a paciência e, para pôr fim ao assunto, avançou com 30 milhões de uma assentada. Não havia mais discussão.

O mistério saudita Quem seria o comprador mistério? Muitos suspeitavam tratar-se de um milionário chinês. Mas aparentemente estavam enganados – os jornais acabariam por avançar que o novo proprietário era um membro da família real saudita, Badr bin Abdullah bin Mohammed bin Farhan al Saud. Em dezembro de 2017 a Christie’s punha fim à especulação, garantindo que a obra iria para as paredes do Louvre Abu Dhabi. A grande apresentação oficial foi marcada para setembro – mas no dia 3 desse mês a página o Departamento de Cultura e Turismo de Abu Dhabi anunciou no Instagram que o acontecimento fora cancelado. 

Entretanto, as dúvidas acerca da autenticidade da obra adensavam-se. Uma das autoridades na obra de Leonardo, o alemão Frank Zöllner, deu voz às reticências, dizendo que pode tratar-se de uma pintura da autoria de um discípulo próximo de Leonardo. Há uma semana, o Sunday Telegraph noticiou que o Louvre de Paris teria rejeitado incluir a pintura na exposição que vai dedicar a Leonardo no quinto centenário da sua morte, mas um responsável desmentiu.

Com o mistério a adensar-se, suspeita-se agora que a obra possa estar na posse do príncipe herdeiro do trono saudita Mohammad Bin Salman, que em 2015 comprou a casa mais cara do mundo, o palácio Luís XIV, em Louvenciennes, perto de Versalhes, por 300 milhões de dólares. Tido inicialmente por reformista, o príncipe Salman acabou por ver o seu nome envolvido na morte do jornalista Jammal Kashoggi.

Segundo o New York Times, nem os próprios responsáveis do Louvre Abu Dhabi, museu que supostamente teria adquirido a pintura, sabem onde ela se encontra. Para onde terá ido? É que, mesmo sendo Leonardo o mestre do sfumatto, uma pintura não se evapora como uma nuvem de fumo.