Esta coisa que com maior ou menor fulgor acaba sempre por nos estar na massa do sangue e que nos leva muitas vezes a assistir a circunstâncias verdadeiramente inaceitáveis com uma naturalidade tal que dificilmente outro povo compreenderia.
Mas pior que o “nacional porreirismo” é observar que condutas ou opções que realizadas por alguns, seriam imediatamente motivo para escândalo social, uma vez exercidas por outros quase que se transformam em evidências naturais e inquestionáveis. É por isso hoje quase anedótico olhar para a composição do Governo português que claramente parece assentar apenas nos critérios da proximidade, da amizade e do corporativismo familiar. Não é admissível e começa já a parecer puro gozo, que não haja uma só semana em que para o círculo governativo não entre mais um marido, uma mulher, um primo, uma prima, um filho, uma filha, ou um qualquer outro parente de alguém que já lá esteja.
E nem coloco sequer o problema no espetro da competência ou incompetência das pessoas em questão. Podem ser até muitíssimo competentes, podem ser muitíssimo válidas, mas nos meandros governativos tudo isto se torna completamente ridículo e, sobretudo, inconveniente. Desautoriza, a meu ver e, por completo, todos os decisores políticos em causa. Sobretudo porque estamos no setor público. Cenário bem distinto, que não deve ser nunca confundido com este, mas que falaciosa e intencionalmente vem sempre a terreiro para baralhar o assunto, é justificar este cenário com o facto do mesmo acontecer no âmbito da atividade privada.
Mas aí muda de figura. Em nada se pode estabelecer qualquer equivalência. Não obstante esta dinâmica material do exercício de funções, outras questões devem ser colocadas: alguém já imaginou o que seria se o mesmo acontecesse num Governo do PSD ou do CDS? O que seria do ambiente político nacional se tal fosse patrocinado por um qualquer Governo de direita? Já estaria com certeza tudo a ferro e fogo.
Pior, estou certo que aqueles que colocariam Portugal a ferro e fogo são os mesmos que, hoje, não encontram na sua postura qualquer laivo de inadmissibilidade. Em jeito de brincadeira e, obviamente sem querer ofender quem quer que seja, não resisto a terminar sem no entanto fazer uma chamada de atenção. Cuidado com a consanguinidade! É que não escassos são os exemplos históricos já vividos, que demonstram que nestes cenários a malta começa a sair com uma qualquer travadinha.
Escreve à sexta-feira