10 lições aprendidas com o Brexit


As lições que doem são as que não se esquecem. O Brexit fornece muitos ensinamentos a Londres e a Bruxelas.


1. É difícil entrar para a União Europeia, mas é ainda mais difícil sair. A integração económica que resultou do mercado interno (um projecto fortemente apoiado por Londres) existe à escala do continente, com cadeias de valor espalhadas por vários países. O referendo do Brexit foi ganho por aqueles que, de forma delirante, anunciaram a possibilidade de manter o Reino Unido no mercado interno depois de sair da UE.

2. O RU já não é, há muito, um império. E o seu poder negocial fora da UE é insignificante, em particular no que respeita à celebração de acordos comerciais.

3. O sistema de governo do RU já estava em mutação, mas o Brexit acelerou o processo. Por um lado, o Parlamento, e não o Governo, passou a controlar a agenda das votações. Por outro lado, o Governo sobreviveu a várias derrotas parlamentares estrondosas em votações capitais.

4. A revolta dos backbenchers dos dois maiores partidos, causa eficiente do falhanço do Brexit, só é possível num sistema eleitoral maioritário em que o deputado se sente responsável para com os eleitores, e não para com a liderança partidária. Assinale-se a diferença em relação aos parlamentares transformados em funcionários partidários, como acontece nos sistemas eleitorais de matriz proporcional.

5. Mesmo sem formalização do Brexit, as insuficiências da UE ao nível da defesa tornaram-se mais evidentes. Os anúncios grandiloquentes por parte da UE multiplicaram-se, mas as capacidades militares ficaram ainda mais reduzidas, com destaque para a detecção de ameaças e a projecção de forças.

6. A UE sem o RU perde gás no completar do mercado interno (ainda são muitos os sectores protegidos a favor dos nacionais) e corre o risco de regressar às políticas proteccionistas (desde logo, a metamorfose dos campeões nacionais em campeões europeus).

7. No plano geoestratégico, a vida continua a sorrir a Putin: o RU fora da UE reduz drasticamente a respectiva capacidade militar e reforça o papel conciliador da Alemanha, o maior comprador de gás natural russo.

8. Com ou sem Brexit prevalecerá o bom senso na igualdade de tratamento dos cidadãos britânicos na UE e dos cidadãos da UE no RU.

9. O reforço dos poderes de Westminster (e do speaker) convoca a tensão no sistema de fontes da Constituição britânica. O valor dos precedentes parlamentares suscita a questão da revisibilidade dos mesmos por decisão parlamentar, algo que nos sistemas constitucionais dotados de constituição escrita é tratado em sede de limites constitucionais expressos ao poder de revisão constitucional. Invocar um precedente parlamentar para decidir que uma determinada votação não pode ocorrer convida a uma votação prévia para derrogar a proibição… Mas o reforço do Parlamento convoca igualmente o paradoxo dos efeitos dilatados no tempo de uma decisão parlamentar. Uma decisão parlamentar pode ser revogada a todo o tempo? Se a decisão for positiva (ou seja, se o voto parlamentar obtiver a maioria necessária), essa decisão pode ser revogada por uma nova votação. Já se a decisão for negativa (a decisão não obtém uma maioria de votos), a maioria dos sistemas parlamentares (como acontece com o n.o 4 do art.o 167.o da CRP) proíbem a repetição do voto durante um determinado período de tempo. A favor da maior eficácia dos trabalhos parlamentares comprime-se (temporalmente) o poder de decisão do Parlamento.

10. O futuro da UE sem o RU é possível. Já o futuro do RU fora da UE, mesmo com mais um adiamento, é pouco provável.

 

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990