Amanhã é o Dia do Pai. E é também dia de leitura da sentença de oito elementos da comunidade cigana de Aveiro acusados de rapto, casamento forçado e violação de uma jovem de apenas 16 anos – um dos arguidos é o pai. O caso tem data de dezembro de 2017 e a história começou quando a jovem decidiu afastar-se da comunidade cigana, tendo sido colocada numa instituição de proteção de menores. Nessa altura, a rapariga tinha um namorado que não pertencia à comunidade cigana, um dos motivos que a levaram a afastar-se das suas raízes. O pai, a cumprir pena de prisão por tráfico de droga, aproveitou a saída precária na época natalícia para arranjar um marido cigano para a filha. Na véspera do dia de Natal de 2017 foi buscar a jovem à instituição e não a deixou voltar. A jovem foi levada para Aveiro e, na casa do patriarca da comunidade, de nome Tomás Garcia – um dos arguidos -, foi ameaçada de morte em caso de tentativa de fuga. Ainda na cidade de Aveiro, o casamento foi consumado e a jovem foi obrigada a ter relações sexuais com o noivo.
A rapariga ficou a viver com o marido escolhido pelo pai até ao dia 6 de janeiro de 2018 – dia em que o homem foi preso por ter faltado às apresentações periódicas na polícia. Mas a história não termina aqui: a jovem ainda foi obrigada a ir viver com os sogros, que também foram constituídos arguidos, e ainda a arrumar carros no parque de estacionamento de um hospital. Nunca mais andou sozinha na rua, não tinha telemóvel e sequer documentos. No dia 24 de janeiro foi levada pela Polícia Judiciária para a instituição onde vivia, na sequência de uma denúncia anónima.
O número registado de casamentos forçados é muito baixo e difícil de controlar, uma vez que a maior parte dos casos não chegam à Polícia Judiciária. Em 2015 – ano em que o casamento forçado passou a ser considerado crime público -, apenas um caso chegou à polícia. No ano seguinte, o número subiu para dois e, em 2017, para três.
No entanto, mesmo perante estes números, Olga Mariano, dirigente da Associação para o Desenvolvimento das Mulheres Ciganas Portuguesas e presidente da associação Letras Nómadas, garantiu ao i que não há casos de casamento forçado: “Não existem casamentos forçados, isso é um mito.” Como mulher cigana, Olga Mariano explicou que muitas vezes os jovens juntam-se, “mas sempre à revelia dos pais”. “Sempre ouvi falar que os miúdos ciganos se juntam relativamente cedo. Tudo bem, é verdade, mas sempre à revelia dos pais, porque de qualquer das maneiras é tão contra aquilo que é a cultura cigana portuguesa”, disse. A dirigente das duas associações conhece quase todos os casamentos ciganos em Portugal e isso permite-lhe afirmar que o tema dos casamentos forçados é “um estereótipo que não tem fundamento na comunidade cigana portuguesa”.
As barreiras Os números oficiais dizem que os casamentos forçados são poucos. No entanto, os casos de violência contra mulheres têm sido tema nas últimas semanas – e pelas piores razões. Relativamente ao crime de violência contra mulheres das comunidades ciganas, o problema coloca-se nas barreiras que estas têm de ultrapassar para conseguir sair desse pesadelo. O número de pedidos de ajuda tem aumentado nos últimos sete anos, mas são ainda casos residuais: a estatística aponta para uma média de três mulheres ciganas por ano. Tendo em conta que uma em cada três mulheres é vítima de violência doméstica, a média anual da comunidade cigana é relativamente baixa.
Elisabete Brasil, da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), explicou ao i que os principais obstáculos à denúncia são as regras da própria comunidade cigana. Por exemplo, se uma mulher quiser o divórcio e sair de casa, os filhos ficam sempre com a família do marido e não vão com ela. “Em relação às crianças, [a comunidade cigana] não legítima a saída das crianças com a mãe, e isso faz com que as mulheres ciganas, querendo cortar com a violência mas não com as suas origens, não queiram, no fundo, ir contra a sua própria norma – que é a de que as crianças pertencem aos pais”, disse.
Ainda que em número reduzido, existem mulheres ciganas em casas de abrigo. As que decidem tomar uma decisão “acabam por ser mulheres sem família e fazem percursos de autonomia muito difíceis, ficam muito isoladas e com grandes constrangimentos”. “São, por isso, mulheres que pensam muito bem antes de tomar estas decisões, não porque queiram ser vítimas, mas porque sabem que têm um condicionamento que as coloca numa posição de maior vulnerabilidade”, disse Elisabete Brasil.