E é nessa espécie de retribuição cidadã que lhe escrevo estas linhas, também no quadro de uma velha amizade.
O tema é o nosso país, e a opção de escrever ao Sr. Presidente e não ao Sr. Primeiro-Ministro é simples: ao Sr. Primeiro-Ministro, o presente não lhe dá tréguas, pelo que, notoriamente, não tem tempo para o futuro.
Ele são os semestres da União Europeia, os trimestres da concertação social, as mensalidades no atraso do pagamento das faturas às farmácias e demais fornecedores do Estado.
Os debates quinzenais e a reinvenção do “sucesso” para consumo parlamentar; acresce ainda o tempo que consome na permanente busca de desculpas nos governos anteriores – que um destes dias chegam à monarquia – para explicar a turbulência nas ruas, com greves e mais greves.
É, enfim, o dia-a-dia na gestão de um casamento a três com o PCP e o BE, pessoas coletivas de género diverso que, como dizia aquela princesa já falecida, se transformaram numa multidão dentro de casa. Não se inveja a tarefa do Sr. Primeiro-Ministro, pelo que o Sr. Presidente terá outra disponibilidade, assim espero, para me ler e refletir.
Sr. Presidente,
Aquele território a que eu recuso chamar interior (em relação a quê?), mas a que prefiro chamar “território nacional despovoado”, precisa da sua urgente e exclusiva atenção.
É verdade que aconteceram coisas muito positivas nos últimos anos, quanto à geografia física e equipamentos, para citar os casos mais relevantes.
Em Évora, para lá da atração turística acrescida por Diana e o seu templo, bem como por Geraldo (o sem Pavor) e a sua praça, nasceu um excelente polo tecnológico de construção aeronáutica.
Castelo Branco renovou-se como cidade de serviços do Estado e atividades industriais.
Perto da fronteira, Idanha-a-Nova entrou no roteiro internacional de eventos da juventude.
O Fundão redescobriu a projeção da cereja produzida na região, isto é, no Fundão, na Covilhã e em Peraboa, para notável valorização endógena, novas tecnologias e produção energética.
A Covilhã – de que sou testemunha direta por 20 anos de direção autárquica por voto libérrimo do povo – sacudiu a depressão dos anos 80 devida ao encerramento de mais de 300 empresas têxteis (muito embora continue a sediar o maior grupo europeu de têxteis de lã e bastante criatividade empresarial avulsa neste domínio) e soube criar alternativas que lhe deram nova vida.
Desde o Parkurbis – Parque de Ciência e Tecnologia (de que fui, com players inesquecíveis, pai na conceção e realização, padrinho onomástico e tutor institucional até 2013) até dezenas de empresas de novas tecnologias, com o cume num dos maiores data centres do mundo, com um potencial de 55 mil servidores, passando pela formação universitária de médicos e engenheiros para o mundo.
Em Bragança, isolada e longe de tudo, nasceram serviços e atividades produtivas muito importantes.
Todo este progresso se deve a muita gente, incluindo alguns governantes que, desde 1985, não se conformaram e fizeram e praticaram o que para a época era prioritário, enquanto hoje não se faz o que é minimamente preciso.
Sr. Presidente,
A continuar a situação nestes territórios, Portugal não tem futuro, com metade do seu espaço a perder habitantes, incapaz de concorrer com o que se passa na Europa e no mundo.
Repare neste exemplo.
População no conjunto do antigo distrito de Castelo Branco, ano 2000, eleitores 191 476. Ano 2018, eleitores
171 567. Diferença: menos cerca de 20 mil pessoas em 18 anos. Conclusão: todas as cidades perdem população, apesar do esforço local.
Que falta então? Não mais do mesmo. Se quiser e por facilidade de imagem, metade do país precisa de um novíssimo Plano Marshall, seja lá o que isso for nos tempos atuais, adaptado ao tempo que vivemos.
A União Europeia das assimetrias e os países mais desenvolvidos sabem disto, designadamente aqueles para quem o euro é a moeda que reproduz a sua força económica, o que não é o nosso caso. Algumas forças políticas na Alemanha em 2008, na turbulência da crise, admitiram medidas excecionais para territórios como Portugal que recriassem áreas livres de impostos e atração excecional de investimento durante muitos anos, carreando o capital que não temos.
Porque se o resultado quanto a desen-volvimento humano e económico está na brutalidade destes números, pouco há a esperar do nosso Estado, que tem vindo a degradar-se neste como noutros campos.
Sabe Sr. Presidente, Pedrógão, Monchique e Borba não são episódios. Nestas terras não ficaram calcinadas apenas florestas, corpos e viaturas. Ficou humilhada a alma de um povo que deixou a ideia de não ser capaz de prevenir, auto-organizar, de se autogovernar.
Por esta razão, ninguém acredita que isto vá lá, com “Secretarias de Estado de Valorização do Interior”, cuja existência não sai do Diário da República, mesmo com o voluntarismo de quem as tutela.
Isto vai lá com sobressalto para dez, 15, 20 anos de planeamento e de metas, programas, recursos financeiros, negociação inovadora com Bruxelas e aproveitamento das boas experiências por todo o mundo.
Traga, Sr. Presidente, para dar sugestões quem deu a volta e fez chegar a prosperidade a Oulu na Finlândia, a 600 km da capital Helsínquia, onde coexistem temperaturas negativas de 40 graus e às vezes é noite ao princípio da tarde. Ou quem, aqui perto, quando teve poder foi capaz de aproximar a Andaluzia e Sevilha da capital de Espanha. Ou quem tem feito de regiões de miséria na Turquia ou na China cidades renascidas. Não podemos ambicionar menos.
E é por mérito da sua iniciativa no Conselho de Estado, ao proporcionar à nata dirigente senatorial (à falta de senado…) a informação provinda da superestrutura do poder europeu e mundial, o diálogo com eminências, que lhe lembro o quanto seria útil uma cimeira sobre a situação desta metade de Portugal, não em Belém mas, por exemplo, no ponto cimeiro destes territórios, nas Penhas da Saúde…
Sr. Presidente,
Na política de proximidade não é apenas o afeto espontâneo que se dá na política que ficará na memória.
O que ficará na memória dos portugueses são as decisões de Estado e de quem tem poder no Estado para aliviar as preocupações dos que vivem com o destino marcado de ter de emigrar. E, como sabe, cada ano são cerca de 100 mil que saem do país. Tudo por causa de o lugar onde nasceram lhes recusar a oportunidade de realizar a sua felicidade pessoal pelo trabalho, emprego e bem-estar.
Tantos que hoje são inesquecíveis na nossa história, mesmo na mais recente, não o são pela corrida ao povo, mas pela tranquilidade decisória com que anunciaram ao povo que a sua corrida pelo futuro seria diferente.
Sebastião José de Carvalho e Melo, Manuel de Arriaga, Mário Soares, Sá-Carneiro e Cavaco Silva decidiram tantas vezes, se necessário, ser impopulares nas medidas e pelos problemas com que o país se confrontava, para acabarem na memória em respeito pelos caminhos que abriram para o futuro.
É o que lhe venho pedir.
Com estima pessoal, admiração e muito apreço
Jurista, Escreve quinzenalmente