A segurança no espaço euro-atlântico viveu sempre por conta do voluntarismo dos EUA, oscilando entre o isolacionismo e o intervencionismo, plasmados na intervenção na i Guerra Mundial, no desinteresse pela Sociedade das Nações, na não intervenção na ii Guerra Mundial até ao ataque a Pearl Harbour, na construção dos diversos regimes jurídicos relativos à organização da comunidade internacional (ONU e organizações especializadas). A adesão recente por parte da administração Trump ao isolacionismo e à preterição das soluções multilaterais não tem novidade na perspectiva histórica da oscilação dos EUA entre as opções pela “América para os americanos” e pelo “mundo para os EUA” (dobrada pela versão “os EUA como polícia do mundo”). Mesmo um qualquer futuro triunfo eleitoral de uma esquerda americana à la Bernie Sanders traduzir-se-á numa reiterada defesa do não intervencionismo, primo em primeiro grau do isolacionismo.
Na perspectiva da segurança regional, à escala europeia, por via da NATO, as críticas de Trump aos europeus, vistos como free riders da despesa feita pelos EUA em matéria de segurança, não têm nada de novo. Depois do fim da Guerra Fria, todos os presidentes americanos criticaram a diminuição da despesa dos parceiros europeus com a despesa, expressa em percentagem do PIB (fixada pela NATO nos 2% de despesa directa sem contar com outros contributos, como a cooperação com Estados terceiros). O peace dividend trazido pelo fim da Guerra Fria traduziu-se numa dramática diminuição da despesa dos europeus no que respeita à defesa, com uma percentagem crescente dessa despesa afecta aos vencimentos, pensões e despesas administrativas. A NATO no segmento europeu tornou-se um exército de papel, com pouco investimento em equipamento, menos ainda em investigação e novas aplicações e com uma reduzida capacidade de projecção de forças e ainda uma menor capacidade de sustentação de forças em teatros de guerra (em particular, os mais distantes do ponto de vista geográfico em relação às infra-estruturas logísticas).
A propalada “autonomia estratégica” defendida pela França como modelo estadual e arquétipo para a política de defesa da União Europeia é um sonho vazio a que faltam as capabilities por parte dos exércitos europeus. A operação na Líbia mostrou até que ponto as capacidades europeias estão reduzidas, mesmo contra um inimigo que se revelou muito mais fraco do que o esperado. A operação da UE no Mali, ainda que tenha contado inicialmente com apoio logístico dos EUA (uma das muitas capacidades em que a Europa é deficitária), é uma operação convencional contra um inimigo pouco sofisticado e com reduzida capacidade de mobilização de efectivos significativos.
O aumento da despesa com defesa por parte da componente europeia da NATO começou com a administração Obama e tem como causa eficiente não os discursos dos representantes dos EUA, mas os feitos de Putin. Os novos membros estão a gastar mais dinheiro com a defesa porque sentem os efeitos da assertividade russa.
À escala planetária, qual será o futuro do futuro? Uma NATO para conter a China? O modelo de NATO regional asiática nunca funcionou, tendo sido preterido pelas alianças bilaterais dos Estados da região com os EUA. Uma NATO que procure a sua razão de ser em operações out of area (como foi o Afeganistão) que incluam a maior parte do continente será de muito mais difícil compreensão por parte dos cidadãos europeus.
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990