Tradicionalmente, distinguia-se entre impostos e contribuições para a Segurança Social invocando-se que, nos impostos, o fisco obtinha uma prestação do contribuinte sem qualquer retorno, enquanto nas contribuições para a Segurança Social ainda havia uma expectativa de retorno por parte desse contribuinte quando ele viesse a ser colocado em alguma situação de necessidade social. Mas, neste momento, as situações confundiram-se de tal maneira que também a Segurança Social entrou numa lógica fiscal, cobrando contribuições sem qualquer possibilidade de retorno por parte dos contribuintes, que assumem assim a natureza de verdadeiros impostos.
Esta situação começou logo com o lançamento do adicional ao IMI, o denominado imposto Mortágua, destinado a financiar o Fundo de Estabilização da Segurança Social. Por esta via, os titulares de prédios urbanos destinados a habitação passaram a pagar um imposto destinado a esse fundo, o qual, no entanto, não lhes permite receber nada da Segurança Social se alguma vez vierem a ficar em situação de carência social, o que é bem provável, em virtude do novo congelamento das rendas efectuado por este governo. Esse imposto levou a uma subida brutal das rendas para habitação, colocando assim os arrendatários também a financiar a Segurança Social, através das elevadas rendas que estão a pagar, única forma de os proprietários suportarem o AIMI.
Mas esta situação veio a ser agravada com o novo regime da segurança social dos trabalhadores independentes, em que a tributação para a Segurança Social atingiu uma iniquidade extraordinária. Basta ver que os trabalhadores independentes passaram a “descontar” 20 euros mensais para a Segurança Social, mesmo que não tenham recebido absolutamente nada, o que constitui um imposto sem qualquer demonstração de capacidade contributiva. Muitas pessoas com actividade irregular viram-se assim pura e simplesmente obrigadas a encerrar a sua actividade.
Ao mesmo tempo, os trabalhadores por conta de outrem que se encontravam isentos mas que também passavam recibos verdes passaram a ser igualmente obrigados a descontar, estando assim a contribuir por dois regimes para a Segurança Social sem qualquer justificação, pois só receberão no futuro uma única pensão. Mas mesmo trabalhadores que tinham mantido a isenção, designadamente advogados, foram enquadrados à força nesse regime, tendo havido inúmeras reclamações no Portal da Queixa derivadas desta situação. Segundo informou o “Jornal de Negócios” do passado dia 1 de Março, o governo reconheceu que algumas pessoas poderão ter optado de forma “indesejada” por contribuir. Essa opção “indesejada” explica-se pelo deficiente funcionamento da Segurança Social, que é extremamente rápida a enquadrar as pessoas incorrectamente no regime, mas extremamente lenta a corrigir as situações.
Efectivamente, para se conseguir resolver as situações criadas pela própria Segurança Social é preciso marcar reuniões nos serviços, o que só se consegue com meses de antecedência. E podem acontecer situações extraordinárias como, por exemplo, aconteceu na terça-feira de Carnaval, em que a simples tolerância de ponto concedida pelo governo levou ao adiamento das reuniões agendadas para Maio, naturalmente com as contribuições a vencerem-se durante esses meses. Mas, como é Carnaval, ninguém pode levar a mal.
Tudo isto já é absolutamente injustificável, mas ainda se poderia esperar que a Segurança Social funcionasse adequadamente ao atribuir as prestações devidas aos cidadãos em situação de necessidade. Mas não, as pessoas esperam muitos meses para lhes ser reconhecido o direito à sua pensão quando estão em situação de a receber. Poder–se-ia argumentar que esse tempo é necessário para garantir que não haja obtenção indevida de subsídios. Mas a verdade é que esses atrasos não têm impedido a ocorrência de fraudes manifestas, como naquele caso da funcionária da Segurança Social que alegadamente terá inventado 85 identidades de mulheres grávidas, conseguindo receber indevidamente meio milhão de euros em abonos de família.
Desde que este governo tomou posse que Portugal assiste a um aumento brutal e injustificado das receitas da Segurança Social, sem que os cidadãos recebam qualquer contrapartida em apoios sociais por virtude dessas novas receitas. A Segurança Social está, assim, a ser transformada num segundo fisco, deixando de funcionar como um sistema de protecção social das pessoas. É urgente, por isso, reverter esta situação.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990