A ação humana tem conduzido numerosas espécies à extinção. Ao contribuir para a perda de animais como o dodó ou o mamute, tornámos o nosso mundo mais pobre. Mas e se fosse possível ressuscitar muitas destas espécies a partir de DNA ancestral, recuperado de fósseis ou de células criopreservadas dos últimos sobreviventes? Mais do que um sonho, os avanços científicos indicam que será possível em breve recriar animais semelhantes aos originais e, eventualmente, reintroduzir populações inteiras em ecossistemas naturais. Contudo, e se de facto a ciência da “desextinção” nos permitir recuperar espécies desaparecidas, uma interrogação permanece: devemos fazê-lo?
As alterações climáticas do final da última Idade do Gelo (cerca de 10 mil anos) foram acompanhadas pelo desaparecimento de espécies emblemáticas como o mamute, o tigre-de-dentes-de-sabre ou a preguiça-gigante. Muito destes animais foram caçados intensivamente pelos nossos antepassados, que assim contribuíram para a sua extinção. A nossa responsabilidade é ainda mais clara em perdas mais recentes. Veja-se o caso do dodó, a desajeitada ave incapaz de voar das ilhas Maurícias, ou do auroque, o bovino selvagem que em tempos habitou a Eurásia, que desapareceram no séc. xvii devido à pressão humana. Estes e muitos outros animais vivem hoje apenas na nossa imaginação, imortalizados em documentários, fotos e romances. Os seus ossos, fósseis e corpos taxidermizados constituem a única evidência palpável da sua existência.
Oriunda do mundo da ficção científica (vide os filmes da saga “Parque Jurássico”), a ideia de ressuscitar uma espécie extinta tem sido perseguida cientificamente há vários anos. Este sonho parece estar hoje ao nosso alcance graças aos avanços notáveis na recuperação e sequenciação de DNA antigo, na reconstrução de genomas perdidos e na manipulação de células estaminais. O ponto de partida numa desextinção passa por recolher, reprogramar e manipular células da espécie-alvo de forma a obter embriões viáveis. A existência de parentes vivos próximos da espécie extinta que possam ser inseminados com esses embriões, e assim assegurar uma gestação com sucesso, é também crucial. Se, no caso de extinções recentes, a obtenção dessas células é viável (e.g. por terem sido criopreservadas atempadamente), no caso de espécies extintas há milhares de anos, tal é virtualmente impossível. A alternativa passa por recolher DNA antigo suficiente e reconstruir o genoma (i.e. toda a informação hereditária codificada no DNA) da espécie-alvo. A partir daqui, diferentes estratégias podem ser usadas para recriar animais afins.
Na prática, as espécies que podemos ambicionar fazer reviver estão limitadas àquelas para as quais existem fósseis ou especímenes bem preservados. Um processo de desextinção foi já concretizado, embora de forma efémera. A honra coube ao íbex-dos-pirenéus, desaparecido em 2000 e clonado com sucesso em 2003. O processo envolveu a inserção de DNA recolhido do último sobrevivente no óvulo de uma cabra doméstica. Os embriões gerados foram então implantados em indivíduos de subespécies de íbex. Da única gestação bem-sucedida nasceu uma cria que, desafortunadamente, sucumbiu após dez minutos devido a um desenvolvimento anormal associado ao processo de clonagem.
Nos últimos anos, o mamute surgiu como um forte candidato à desextinção por várias razões. Por um lado, o degelo do solo da tundra siberiana tem exposto inúmeros ossos a partir dos quais tem sido possível recolher DNA. Como consequência, o genoma do mamute foi sequenciado em 2015. Por outro lado, existe um parente próximo vivo do mamute que pode garantir a gestação: o elefante-asiático. A estratégia passa por modificar o genoma do elefante por inserção de fragmentos do DNA de mamute. O objetivo de desextinguir o mamute não é simplesmente o de produzir versões geneticamente próximas do original para exibição pública em zoos, mas antes o de libertar manadas inteiras na tundra siberiana. A expetativa é que a reintrodução destes herbívoros possa contribuir para recriar as pastagens de outrora, ecossistemas estes mais eficientes no sequestro de carbono atmosférico. Outras espécies, como o pombo-passageiro da América do Norte e o tigre-da-tasmânia, caçadas até à extinção no séc. xx, estão também na calha da desextinção.
Os paladinos da desextinção defendem que o ressuscitar de espécies permitirá repovoar e transformar ecossistemas. Além disso, argumentam que se soubermos fazer reviver uma espécie, então estaremos mais bem equipados para nos precavermos do desaparecimento de organismos atualmente em risco. Os objetores contrapõem que a reintrodução de espécies extintas há milhares de anos pode trazer consigo consequências imprevisíveis e não intencionais, e que o foco na desextinção poderá retirar recursos e desmobilizar os esforços de conservação. Finalmente, as tentativas de desextinção têm sido criticadas por muitos que acusam os cientistas de querer desempenhar o papel de Deus. Os defensores contrapõem que sempre que provocámos o extermínio de uma espécie assumimos já, de facto, esse papel divino, e que, portanto, temos a obrigação moral de participar ativamente num processo de regénese que permita reverter uma situação que é da nossa inteira responsabilidade.
Instituto Superior Técnico
miguelprazeres@tecnico.ulisboa.pt