Com este título, José de Bastos Rabaça, notável figura de industrial têxtil de Manteigas, escritor e amante da vida, escrevia nas páginas de um jornal regional, no princípio dos anos setenta do século passado, uma demolidora crónica acerca da opção industrializadora do governo à época.
Rogério Martins era secretário de Estado da Indústria e figura cimeira daquele governo que buscava a “primavera política” e ensaiava uma dinâmica empreendedora renovada na economia, fustigada já pela concorrência, ainda que mitigada, da EFTA.
Decidiu então aceitar o pedido de instalação em Portalegre – apresentado por um conhecido empresário local – de uma fábrica de produção de fibra sintética de polyester.
Dupont de Nemours, estava exuberante após a criação do nylon e dava cartas nos Estados Unidos. A Hoechst na Alemanha concorria com a inglesa ICI – Imperial Chemical Industries: era o tempo das novas criações químico-laboratoriais de fibras sintéticas, a partir do crude.
A ICI entrou no negócio de Portalegre, financiando a construção e cedendo os direitos de produção da novíssima fibra sintética de grande sucesso comercial o “terylene”, nos plissados das saias de senhora, nos colarinhos que não engelhavam, nas calças de vinco eterno.
Quem não achou graça a esta cedência a um novo monopólio foi a indústria nacional a jusante, consumidora de matéria-prima importada, ficando em pânico e revolta, pelo aumento de preço que se anunciava.
É que para proteger e garantir o retorno do investimento veio a contrapartida: o governo determinava que fossem criadas pautas aduaneiras, taxas e imputações fiscais que desarmavam qualquer tentativa concorrencial pela importação.
Até ao dia em que Bastos Rabaça escreveu a tal crónica, numa série a que chamou “Linhas Quadradas”.
A censura da imprensa, sempre atenta à política, esquecia muitas vezes a subtileza dos artigos sobre economia e o artigo lá foi publicado gozando e glosando Marcello Caetano e Rogério Martins, com grande aplauso dos produtores de tecidos, antes importadores da fibra sintética a preços reduzidos e que a partir da decisão do governo passavam a perder competitividade pelo acréscimo de custos de produção.
Em resposta ao clamor dos industriais do sector têxtil, o secretário de Estado veio dizer, com singeleza e displicência que o reflexo do aumento do custo da matéria-prima num par de calças, era despiciendo e correspondia a um jantar num bom restaurante lisboeta.
Foi então que surgiu a pancada pública sob a forma de crónica, com “As calças do Senhor Engenheiro”, onde Bastos Rabaça mostrou como raramente as decisões de suposta “grandeza” visionária, atendem à previsão das consequências para os consumidores e a economia real.
2. Lembrei este episódio, a propósito dos custos que sem “levantamento” e clamor popular se aplicam hoje às famílias e às empresas, por causa das “grandezas” decisórias de certos momentos e tempos políticos recentes, sem qualquer antecipação de consequências para os portugueses.
Quanto aos combustíveis é o escândalo tornado rotina e vulgaridade na convivência dos balcões da “Autoridade Tributária” espalhados pelas áreas de serviço, a cobrar impostos “just in time”; é o caso da energia e do excessivo Estado que não se contenta com menos, procurando aproximar na factura, o custo do fornecimento desta “commoditie” e o serviço prestado, do custo da tributação parafiscal e fiscal.
Olhando a factura lá está o “Imposto Especial de Consumo de Electricidade (IEC)” que integra a subcategoria de imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP). Criado em 2012 é aplicado pelos comercializadores de eletricidade aos seus clientes. Em Portugal continental a taxa está fixa em 0,001 € por kWh.
Depois vem a “Taxa de Exploração da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG)” que corresponde à taxa de utilização e exploração das instalações elétricas. É uma taxa fixa cujo valor é determinado pela Direção-Geral de Energia e Geologia.
Logo de seguida vem a “Contribuição para o Audiovisual- CAV” que se destina a financiar o serviço público de radiodifusão e de televisão, sendo entregue à “Autoridade Tributária e Aduaneira” que posteriormente a entrega à “Rádio e Televisão de Portugal, S.A.”. Esta contribuição tem um valor mensal de 2,85 €.
Finalmente, este insaciável Estado aplica 23% de IVA, dando-se ao abuso de uma espécie de dupla tributação, quando sobre o “CAV – Contribuição para o Audiovisual”, contribuição registe-se, ainda aplica 6% de IVA.
As famílias e as empresas, sem alternativa de mercado, apesar de se anunciar mercado distribuidor concorrencial, amocham e pagam.
E este levantamento pode aplicar-se a outros serviços e até ao sistema bancário, este sob a forma de taxas, comissões e taxinhas mais próprias de um Estado de cócoras e sem regulação.
É o caso da CGD – Caixa Geral Depósitos, que depois da farra interna em que andou anos e anos a emprestar criminosamente a “graúdos” sem eira nem beira, se voltou agora, numa tentativa de recuperar o tempo perdido, para a extorsão legal e à vista de todos à “arraia miúda” que apenas precisa de conta no banco público.
Impõe comissões e taxas pela simples manutenção de contas abertas, independente dos saldos, e depois permite-se anunciar como resultados de “boa gestão”, o que apenas é proveniente de uma espécie abusiva de imposição parafiscal e não passa de extorsão por privilégio.
O episódio das “calças do senhor engenheiro” de há quarenta anos, é assim mais actual do que nunca.
Mas estão estes temas na agenda do parlamento e dos partidos políticos? Nem pensar.
Umas vezes pela compra dos silêncios do poder empresarial, de quem podia e devia falar, outras pela compra das vozes de quem mercadeja opinião, a vida segue como naquela primavera que acabou antes do verão de 1974.
Jurista, Escreve quinzenalmente