É cada vez mais certo que o desfecho do conflito entre o governo e os professores, por causa da contabilização do tempo de serviço congelado, vá ser resolvido pelo parlamento. E caso o impasse venha a ser desbloqueado pelos partidos com assento parlamentar, o governo corre o sério risco de vir a ter de contabilizar aos docentes todo o tempo de serviço congelado – nove anos, quatro meses e dois dias.
Ontem, o primeiro-ministro deixou bem claro que, mesmo sem o acordo dos sindicatos, o governo vai voltar a aprovar a mesma proposta que considera aos docentes apenas dois anos, nove meses e 18 dias de tempo de serviço. Medida que foi, aliás, ‘chumbada’ pelo Presidente da República em dezembro de 2018. “Se não houver uma solução por via negocial, o governo voltará a aprovar o decreto que já aprovou” porque, justifica António Costa, “não podemos é deixar que os professores continuem a ser prejudicados e a não beneficiar dos dois anos, nove meses e 18 dias”. Aprovação esta que o primeiro-ministro diz ter urgência para concretizar.
Caso o diploma venha, desta vez, a ser promulgado pelo Presidente da República e entre em vigor, todos os partidos – à exceção do PS – já fizeram saber que vão chamar ao parlamento o decreto-lei para que seja alterado. Os partidos querem chegar a uma solução de forma a que seja tido em conta todo o tempo de serviço congelado aos professores, de forma faseada durante os próximos anos.
Cenário que já está a acontecer na Madeira e nos Açores, onde os docentes vão ver reconhecidos os nove anos, quatro meses e dois dias, num processo que vai decorrer de forma faseada. No caso da Madeira a contabilização será feita durante os próximos sete anos (até 2025) e nos Açores durante seis anos, a partir de 1 de setembro.
Sindicatos vão entregar proposta no parlamento
Mas além da apreciação parlamentar do decreto-lei, o impasse da contabilização do tempo de serviço dos professores pode chegar à AR por outra via.
É que esta é a medida que os professores querem ver aplicada também no continente e que consta da proposta que a plataforma de dez sindicatos tem vindo a tentar negociar, sem sucesso, com o governo. Perante o falhanço das negociações com os Ministérios da Educação e das Finanças, no dia 7 de março, a plataforma sindical vai entregar ao presidente da Assembleia da República e aos partidos a proposta que tem sido recusada pelo executivo. “Daremos o nosso contributo e vamos entregar uma proposta para que os partidos tenham uma solução na qual convirjam”, disse ontem o secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira, durante a conferência de imprensa da plataforma dos dez sindicatos.
A acompanhar o documento dos sindicatos vão ser entregues mais de 60 mil assinaturas de professores, recolhidas durante o mês de fevereiro nas escolas, a defender a proposta. A iniciativa será entregue sob forma de petição e o número de assinaturas ultrapassa largamente as quatro mil exigidas pela lei para que o documento seja discutido e votado pelos partidos em plenário.
De acordo com o documento a que o i teve acesso, a proposta dos sindicatos é igual à lei em vigor na Madeira. Ou seja, entre 2019 e 2024, a cada ano, os docentes recuperariam um ano e quatro meses (545 dias) de tempo de serviço congelado, com a respetiva progressão na carreira e acerto salarial. Os restantes 141 dias de serviço seriam contabilizados em janeiro de 2025. A proposta prevê ainda que os docentes tenham a opção de o tempo de serviço ser total ou parcialmente traduzido em despenalização da aposentação, “bonificando cada ano em mais oito meses, até ao máximo possível de seis anos”, lê-se no documento.
Partidos acusam governo de não cumprir lei
A lei do Orçamento do Estado obriga o governo a negociar com os professores a contabilização do tempo de serviço. No entanto, nas últimas quatro reuniões os Ministérios da Educação e das Finanças levaram à mesa negocial a mesma proposta, sem qualquer alteração.
Os sindicatos dizem que “esbarraram num muro de intransigência” e que só voltam a reunir com o governo, no dia 4 de março, caso a Educação e as Finanças deem um “sinal de boa-fé” e mostrem “vontade de discutir as propostas dos sindicatos”, disse o secretário-geral da FNE, João Dias da Silva.
Críticas que são partilhadas pelos partidos, com o PCP a exigir ao governo um “diálogo efetivo” porque “não basta sentar-se à mesa com os professores”, avisou Jerónimo de Sousa, frisando que os Ministérios da Educação e das Finanças não podem chegar às negociações “com uma mão cheia de nada”.
O líder comunista alertou ainda António Costa que caso o executivo não desbloqueie o conflito com os professores, o PCP vai recorrer na Assembleia da República a todas as “melhores contribuições e soluções” para contabilizar todo o tempo de serviço aos docentes.
Também o BE, através da deputada Joana Mortágua, já fez saber que não vai “excluir nenhum instrumento” parlamentar para recuperar todo o tempo de serviço aos professores, acusando o governo de falta de vontade para negociar quando apresenta uma proposta que sabe que é inaceitável.
Para o CDS o governo “anda a fintar” os professores e tem “cortado as pontes de diálogo”, acusou Assunção Cristas. No entanto, num cenário de entendimento com os partidos de esquerda, a líder centrista, em nome da “responsabilidade”, não se comprometeu com o sentido de voto do partido escudando-se com a falta de informação sobre o impacto da medida.
A mesma posição tem o PSD, com Rui Rio a apontar o dedo ao governo que diz estar a seguir “um mero formalismo” sem cumprir com o que foi votado no parlamento. No entanto, o presidente dos sociais-democratas também não se compromete com o sentido de voto. Apesar do partido entender que todo o tempo de serviço tem ser contabilizado aos professores, Rio não se compromete com o sentido de voto. A deputada Margarida Mano diz que o partido “não vai tomar nenhuma decisão que não seja exequível”, mas o PSD aguarda os cálculos do governo para ver qual a melhor forma de contabilizar todo o tempo de serviço aos professores.
Vaga de protestos
Enquanto decorrem estes processos, os professores estão já a arregaçar as mangas para uma vaga de protestos durante o 3.º período do ano letivo. A poucos meses das eleições, os docentes preparam-se para endurecer o tom da contestação e regressar às greves prometendo um fim de ano letivo “muito complicado”, avisou Mário Nogueira.
Ontem, a plataforma sindical anunciou que está marcada para dia 23 de março uma manifestação nacional, em Lisboa. E nesse dia serão anunciadas as greves que vão estar em curso no final do ano.
Em cima da mesa estão, por exemplo, greves às aulas dos finais de ciclo – 4.º, 6.º, 9.º e 12.º anos – aos exames nacionais e às avaliações dos alunos. Qualquer um destes protestos vai provocar o atraso no final do ano letivo.
As formas de protesto serão decididas pelos professores que vão ser auscultados pelos sindicatos nas escolas, entre os dias 11 e 20 de março.