As crises tornam mais evidentes as insuficiências dos partidos políticos. A pretexto do Brexit (hard, soft, no Deal, Bino, …) as contradições internas do Labour e dos Tories fizeram-se ouvir esta semana de uma forma muito ruidosa. Não a partir das manifestações de fim de semana ou dos dois acampamentos permanentes em torno a Westminster, onde Brexiteers e Remainers gritam as suas razões. Esta foi a semana em que vários deputados abandonaram o Labour (7+1) e os Tories (3) anunciando profundos desentendimentos com a linha oficial dos respectivos partidos em relação ao Brexit.
Cavalgando a surpresa causada, os 11 de Inglaterra anunciaram uma coligação de não inscritos, prenunciando um futuro partido do centro que amealhe as vozes do descontentamento em relação aos dois partidos tradicionais.
Como é que chegámos até aqui? Do lado do Labour a deriva esquerdista nunca agradou aos Blairistas e restantes apóstolos da terceira via. O domínio exercido pelos sindicatos sobre a agenda política do Labour e o radicalismo de esquerda do novo líder explicam o porquê de Theresa May se arrastar como primeira-ministra. Simplesmente não há uma maioria que a queira trocar por Corbyn.
Do lado dos Tories as críticas também são dirigidas aos extremistas, neste caso aos eurocépticos e ao peso excessivo que têm na tomada de decisões. Cameron convocou o referendo do Brexit para acabar de vez com o poder dos eurocépticos. Descurou os perigos dos discursos simplistas e demagógicos que fabricaram à esquerda e à direita uma maioria de Brexiteers. Foi uma pequena vingança da história: o primeiro referendo sobre a adesão do Reino Unido às então Comunidades, em 1975, foi perdido pelo Labour cujos militantes tinham votado contra a permanência…
Há agora 11 deputados não alinhados e outros se lhes devem juntar. Mais alguns do lado dos Tories e o governo May cai por falta de uma maioria numa qualquer próxima votação. Há limites para a re-interpretação do sistema de governo parlamentar.
Corbyn recomendou aos trânsfugas que se demitissem, provocando assim a convocação de eleições intercalares nos respectivos círculos. Sabe que tal não acontecerá e no fundo deseja que tal não aconteça. Num círculo uninominal que passe a ser disputado por um ex-Labour e por um Labour certificado é muito provável que acabe eleito um Tory…
O sistema eleitoral britânico condiciona fortemente o sistema partidário e explica a longevidade do bipartidarismo. A história do terceiro partido é uma história de insucessos. Quando em 1981 o gangue dos 4, capitaneado por Roy Jenkins, abandonou o Labour e formou os Sociais Democratas (SDP) a cisão não foi longe e nunca chegou ao governo. Na única vez em que os Liberais Democratas (os sucessores do SDP) chegaram ao governo foi com Cameron para desaparecerem vítimas do abraço de urso do senior partner na coligação (passaram de 57 para 9 deputados…).
Por estes dias a televisão britânica (que já não a BBC, reservada aos públicos estrangeiros…) mistura o Brexit com o Armagedeão, anunciando o encerramento de fábricas, os perigos da escassez de alimentos e de medicamentos, o ridículo dos planos de contingência do governo, a fuga de estrangeiros qualificados, as críticas das confederações empresariais à incerteza que tolhe o investimento,…
Entre May e Corbyn não há quem queira escolher, seja pela via de um novo referendo seja através de eleições antecipadas. Se o novo partido do centro é a resposta, qual era a pergunta?
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990