Pouco depois de ontem o governo ter anunciado a contratação de mais de mil auxiliares para as escolas portuguesas, um ouvinte ligou para o Fórum da TSF e lembrou o exemplo japonês. O professor reformado da grande Lisboa explicou que no sistema educativo nipónico são os alunos que limpam os espaços das escolas e que muitas vezes fazem o seu almoço.
Eu, que vinha no carro a caminho da redação, desliguei por momentos do anúncio do governo e fiquei preso às palavras do antigo docente. Dizia que naquele país se entendem essas tarefas como parte da aprendizagem e da formação, o que acaba por conferir mais autonomia às crianças.
Ninguém põe em causa a relevância de ter mais mil funcionários nas escolas, ainda por cima com contrato por tempo indeterminado.
O sistema português está assente em princípios diferentes e tendo em conta as dificuldades dos últimos anos esta notícia não poderia passar despercebida.
Mas pensar no caso do Japão fez-me ir muito mais longe. Em Portugal existem escolas que consideram importante que uma criança desempenhe esse tipo de funções quando se comportou mal – quando bate num colega, ou parte um vidro a jogar à bola.
O que nos separa do Japão é muito mais do que a presença ou não de funcionários nos corredores e nos recreios, é a forma como encaramos este tipo de tarefas. As da escola e mais tarde as de casa.
Por aqui estas tarefas continuam a ser vistas como uma punição e talvez por isso mais tarde as tarefas domésticas não sejam para todos. Aprendemos que há sempre umas senhoras que nos preparem o lanche da manhã, que nos limpem as salas que sujamos e nos digam o que podemos e devemos fazer.
Com isto não estou a dizer que em Portugal se deva apostar num sistema idêntico, culturalmente tão distante – até porque não sei que tipo de adultos produz o sistema japonês. Mas a comparação daquele professor fez-me refletir sobre isto tudo. Entre o Cais do Sodré e o Beato lembrei-me do dia em que o meu irmão se considerou injustiçado por ter de limpar o recreio, porque dizia não ter sido culpado pela queda de um colega e de quanto isso mexeu com ele.
Em Portugal crescemos a ver como algo negativo algo que deveria ser considerado normal. Isto na escola. Em casa aprendemos muitas vezes a ver as tarefas como inatingíveis por nós: ninguém sabe fazer comida como uma mãe, nem como uma avó.
Porque a cultura da escola é a mesma da de casa, onde as crianças não metem a mão na massa, não aprendem a limpar a casa, nem a lavar a roupa. A maioria não sabe o que é lavar uma casa de banho.
É por isso que, num passado recente, chegados a adultos só restava uma hipótese: as mulheres tornarem-se cópias das mães e os homens, que não tinham esse peso da continuação, poderiam livrar-se das punições de casa.
A necessidade de incutir nas crianças a ideia de que cuidar de uma escola ou de uma casa não está reservada aos outros é fundamental. E mesmo em Portugal, onde as auxiliares têm um papel fundamental, era importante começar a aposta nesta formação, poderia mesmo ser o início do fim de muitas desigualdades.
Há poucos dias confirmámos quem são hoje a maioria dos adultos que se “portam mal” e têm direito a essa punição: as mulheres, que em Portugal se se sentem exaustas. Segundo o estudo “As mulheres em Portugal, hoje”, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, serão precisas mais cinco a seis gerações para que os homens possam repartir igualmente as tarefas de casa. Ou seja, para que se deixe de entender a limpeza da casa ou o fazer o jantar como um castigo.
Além da boa notícia de ter mais funcionários nas nossas escolas também seria bom pensar no exemplo japonês e ver como poderíamos reduzir o tempo que ainda temos de esperar.
Jornalista