Mais médicos de família associados a um aumento da esperança de vida

Mais médicos de família associados a um aumento da esperança de vida


Investigação das faculdades de Medicina de Harvard e Stanford teve por base a realidade dos Estados Unidos


Até que ponto o reforço da rede de cuidados primários contribui para melhorias na esperança de vida? A pergunta foi colocada por investigadores das universidades de Harvard e Stanford, nos Estados Unidos, e a resposta deixa-os convictos de que vale a pena investir nesta área. Segundo a equipa, cada 10 médicos de família adicionais por 100 mil habitantes correspondeu a um aumento de 51,5 dias na esperança de vida da população entre 2005 e 2015. O efeito é maior do que o que foi apurado para a densidade de médicos especialistas: dez especialistas adicionais por cada 100 mil habitantes foram associados, no mesmo período, a um aumento de 19,2 dias na esperança de vida.

Os investigadores concluem que apesar da resposta de cuidados primários estar a aumentar, as áreas rurais têm vindo a ficar mais desfalcadas. “Os médicos dos cuidados primários servem como primeiro ponto de contacto para a maioria da população e realizam cuidados preventivos, rastreio do cancro e diagnósticos precoces”, alerta Sanjay Basu, um dos autores do estudo publicado esta segunda-feira na revista científica “JAMA Internal Medicine”. Os investigadores defendem que é necessário criar mais incentivos nas escolas médicas para que os clínicos prossigam a medicina geral e familiar, sob pena de haver escassez destes clínicos nas próximas décadas. “O pagamento tende a ser mais baixo, as taxas de burnout mais elevadas e o prestígio menor”, diz Sanjay Basu.

Um dos objetivos do estudo era precisamente avaliar até que ponto a resposta dos cuidados primários é uma mais-valia na prevenção de mortalidade e doença na população, como forma de incentivar os decisores políticos a promover medidas nesta área. Foi assim analisado o impacto do seguimento em cinco causas de morte: doença cardiovascular, cancro, doenças infecciosas, doença respiratória e abuso de substâncias/violência (o que inclui mortes por abuso de álcool, lesões auto-infligidas ou agressões). Concluem que o acesso a médicos de família representa um quinto do peso de fatores de grande impacto como a pobreza e dois terços do peso do impacto do tabaco na esperança de vida. Ainda assim, há um efeito significativo. Um reforço de 10 médicos de família por cada 100 mil habitantes foi associado a uma redução de 0,9% na mortalidade por doença cardiovascular, a uma redução de 1% na mortalidade por cancro e de 1,4% na mortalidade por doenças respiratória. “O resultado surpreendente foi ver como reduziu o número de clínicos de medicina familiar apesar da ênfase dada aos cuidados primários nos últimos anos. Penso que o  problema se resume a dinheiro. Pagamos menos pela prevenção do que pelo tratamento e é na prevenção que vivem os cuidados primários.”

A equipa diz ainda que tentou perceber se esta relação tinha apenas a ver com o nível socioeconómico, mas concluíram que não. Foram analisar indivíduos que tinham mudado de casa de zonas com menos acesso a cuidados primários para outras melhores servidas e perceberam que havia ganhos.

Como é a realidade em Portugal?

Nos últimos anos reduziu o número de portugueses sem médico de família atribuído, mas ainda há cerca de 686 mil pessoas sem médico. As assimetrias persistem. A região Norte e a região de Lisboa e Vale do Tejo têm praticamente o mesmo número de inscritos nos centros de saúde, cerca de 3,7 milhões de pessoas em cada uma, mas a Norte já só há 34 mil pessoas sem médico de família quando em Lisboa ainda há 552 mil utentes sem cobertura. Os dados do Ministério da Saúde apontam para um pico de aposentações de médicos de família nos próximos anos, estimando a reforma de 1124 médicos de família entre este ano e 2021. Neste mesmo período deverão concluir o internato em Medicina Geral e Familiar 1365 médicos, o suficiente para haver uma reposição. Na última legislatura, o governo prometeu várias vezes atribuir médico de família a todos os portugueses, mas o resultado não foi atingido. O atual executivo renovou o objetivo. O primeiro-ministro chegou a prometer cobertura total até ao final de 2017, o que não se verificou. A ministra Marta Temido renovou a meta no final de 2018. "“Temos prosseguido e vamos continuar a prosseguir a meta de garantir que todos os portugueses tenham um médico de família atribuído até ao final da legislatura".

Cobertura: % de utentes inscritos nos centros de saúde com médico de família atribuído

Norte: 95,14% 

Centro: 93,3%

Lisboa e Vale do Tejo: 77,6% 

Alentejo: 96,8%

Algarve: 92,4%