Escolas boas


Rankings dos exames são conhecidos este fim de semana. Porque não complementá-los com rankings dos meios para as necessidades, dos projetos extracurriculares, da satisfação de pais, alunos e professores?


Este fim de semana são conhecidos os rankings das escolas. Para que servem mesmo? A discussão é sempre a mesma, mas lá vamos espreitar em que lugar está a nossa escola. Coisas boas da escola, daquelas que marcam, contam pouco para este exercício. A minha professora de Português no 5.o ano tinha um armário cheio de livros para irmos escolhendo ao longo do ano. Era a nossa guia na leitura. Quando me sugeriu o “Diário de Anne Frank” depois das sagas mais infantis das Gémeas, Patrícia e afins, senti-me crescida. Nas aulas número 100 íamos jogar ao mata para o recreio, fosse em que disciplina fosse. Era uma tradição e todos os professores alinhavam. Fiz a minha primeira reportagem para uma disciplina do secundário, uma visita à Fundação Árpád Szenes–Vieira da Silva. Os professores de Português abriam horizontes. Um ano organizámos um livro de poemas. Para além das bases, são coisas assim que guardamos. O mesmo com as professoras de História – gostava mais das histórias que contavam que da conversa dos livros, e sobretudo mais que daqueles finais apressados pela obrigação de ter de “acabar a matéria”. Ficava muito pouco.

Escolas boas dependem de haver meios, tempo, espaço, motivação para proporcionar um acompanhamento individual dos alunos. Ordenar as escolas pelos resultados académicos sem ter em conta os meios que têm diz mais sobre a composição das turmas, o meio socioeconómico onde estão, do que sobre a qualidade da escola. Porque não um ranking nacional pelo rácio de meios para as necessidades identificadas? Pela satisfação de alunos, pais e professores? Pelos projetos que promovem nas várias vertentes de saberes mais técnicos mas também cidadania e intervenção comunitária, e pela adesão e resultados de cada um ? Não digo que substituíssem os atuais – convém talvez saber o nível médio do país nas disciplinas tradicionais –, mas seriam um complemento, uma métrica melhor de onde estamos nisto do sucesso escolar e para onde podemos ir. E o que é mesmo preciso para lá chegar.

Na edição sobre rankings que preparámos para a edição do “Sol” deste fim de semana, este sábado nas bancas, analisamos os resultados e damos conta de projetos escolares para lá dos pódios dos exames. Quando fui ver de um dos projetos que tenho acompanhado, fiquei surpreendida: a Orquestra Geração, ligada a bairros mais carenciados da região de Lisboa, atuou há dias na Ópera de Nice com alguns dos seus elementos. Dois mundos diferentes que um projeto de base escolar conseguiu aproximar, superando preconceitos, incutindo ambição.

O fundador do projeto, António Wagner Diniz, conta que o trabalho que fazem, neste caso centrado na música, é possível com grupos pequenos e com trabalho individual com os alunos de uma hora por semana. Em turmas com quase 30 alunos torna-se muito difícil, lamenta. Ao longo dos últimos dez anos de contacto com estas escolas, conta que foi isso que mais o impressionou: a falta de tempo e condições para acompanhar os alunos enquanto pessoas. Qualquer pessoa o percebe, para mais se somar a isso os relatos que chegam das escolas onde por vezes ainda vai faltando o básico – o retrato das longas filas para os micro-ondas da escola António Arroio, em Lisboa, publicados na imprensa nos últimos meses, obras paradas durante seis anos que levaram os alunos a protestar em frente ao parlamento, são um dos exemplos. Como são os relatos da Escola Secundária Afonso Lopes Vieira, em Leiria, onde os alunos estão na sala de gorro e manta. Numa escola da capital ouvi há tempos o mesmo: com o frio, as salas gelam e não há aquecimento. Para os alunos, é mau. Para os professores, que têm de estar horas seguidas naquelas condições a trabalhar, não é melhor. Manter uma escola boa é um desafio tanto para o público como para o privado: na escola pública, o investimento depende do Orçamento do Estado; numa escola privada, retira dividendos. E os pais podem sentir-se tentados a pensar que o dinheiro paga o sucesso e lhes dá o direito de cobrar resultados em vez de valores e disciplina. No meio disto tudo há uma nova ameaça de greve dos professores: ameaçam não dar aulas nem notas no 3.o período, um extremar de posição, fruto da quebra de expetativas, que não tem como não destabilizar a comunidade escolar e as famílias. Que dirão os rankings das escolas sobre isto para o ano? Possivelmente, nada. Não medem bem o que está em causa.

 

Jornalista, Escreve à sexta-feira


Escolas boas


Rankings dos exames são conhecidos este fim de semana. Porque não complementá-los com rankings dos meios para as necessidades, dos projetos extracurriculares, da satisfação de pais, alunos e professores?


Este fim de semana são conhecidos os rankings das escolas. Para que servem mesmo? A discussão é sempre a mesma, mas lá vamos espreitar em que lugar está a nossa escola. Coisas boas da escola, daquelas que marcam, contam pouco para este exercício. A minha professora de Português no 5.o ano tinha um armário cheio de livros para irmos escolhendo ao longo do ano. Era a nossa guia na leitura. Quando me sugeriu o “Diário de Anne Frank” depois das sagas mais infantis das Gémeas, Patrícia e afins, senti-me crescida. Nas aulas número 100 íamos jogar ao mata para o recreio, fosse em que disciplina fosse. Era uma tradição e todos os professores alinhavam. Fiz a minha primeira reportagem para uma disciplina do secundário, uma visita à Fundação Árpád Szenes–Vieira da Silva. Os professores de Português abriam horizontes. Um ano organizámos um livro de poemas. Para além das bases, são coisas assim que guardamos. O mesmo com as professoras de História – gostava mais das histórias que contavam que da conversa dos livros, e sobretudo mais que daqueles finais apressados pela obrigação de ter de “acabar a matéria”. Ficava muito pouco.

Escolas boas dependem de haver meios, tempo, espaço, motivação para proporcionar um acompanhamento individual dos alunos. Ordenar as escolas pelos resultados académicos sem ter em conta os meios que têm diz mais sobre a composição das turmas, o meio socioeconómico onde estão, do que sobre a qualidade da escola. Porque não um ranking nacional pelo rácio de meios para as necessidades identificadas? Pela satisfação de alunos, pais e professores? Pelos projetos que promovem nas várias vertentes de saberes mais técnicos mas também cidadania e intervenção comunitária, e pela adesão e resultados de cada um ? Não digo que substituíssem os atuais – convém talvez saber o nível médio do país nas disciplinas tradicionais –, mas seriam um complemento, uma métrica melhor de onde estamos nisto do sucesso escolar e para onde podemos ir. E o que é mesmo preciso para lá chegar.

Na edição sobre rankings que preparámos para a edição do “Sol” deste fim de semana, este sábado nas bancas, analisamos os resultados e damos conta de projetos escolares para lá dos pódios dos exames. Quando fui ver de um dos projetos que tenho acompanhado, fiquei surpreendida: a Orquestra Geração, ligada a bairros mais carenciados da região de Lisboa, atuou há dias na Ópera de Nice com alguns dos seus elementos. Dois mundos diferentes que um projeto de base escolar conseguiu aproximar, superando preconceitos, incutindo ambição.

O fundador do projeto, António Wagner Diniz, conta que o trabalho que fazem, neste caso centrado na música, é possível com grupos pequenos e com trabalho individual com os alunos de uma hora por semana. Em turmas com quase 30 alunos torna-se muito difícil, lamenta. Ao longo dos últimos dez anos de contacto com estas escolas, conta que foi isso que mais o impressionou: a falta de tempo e condições para acompanhar os alunos enquanto pessoas. Qualquer pessoa o percebe, para mais se somar a isso os relatos que chegam das escolas onde por vezes ainda vai faltando o básico – o retrato das longas filas para os micro-ondas da escola António Arroio, em Lisboa, publicados na imprensa nos últimos meses, obras paradas durante seis anos que levaram os alunos a protestar em frente ao parlamento, são um dos exemplos. Como são os relatos da Escola Secundária Afonso Lopes Vieira, em Leiria, onde os alunos estão na sala de gorro e manta. Numa escola da capital ouvi há tempos o mesmo: com o frio, as salas gelam e não há aquecimento. Para os alunos, é mau. Para os professores, que têm de estar horas seguidas naquelas condições a trabalhar, não é melhor. Manter uma escola boa é um desafio tanto para o público como para o privado: na escola pública, o investimento depende do Orçamento do Estado; numa escola privada, retira dividendos. E os pais podem sentir-se tentados a pensar que o dinheiro paga o sucesso e lhes dá o direito de cobrar resultados em vez de valores e disciplina. No meio disto tudo há uma nova ameaça de greve dos professores: ameaçam não dar aulas nem notas no 3.o período, um extremar de posição, fruto da quebra de expetativas, que não tem como não destabilizar a comunidade escolar e as famílias. Que dirão os rankings das escolas sobre isto para o ano? Possivelmente, nada. Não medem bem o que está em causa.

 

Jornalista, Escreve à sexta-feira