Galatasaray.  Quando o Rei Sem Coroa guiava um Bel Air nas ruas de Istambul

Galatasaray. Quando o Rei Sem Coroa guiava um Bel Air nas ruas de Istambul


Metin Oktay é uma história dentro da história do clube que defronta o Benfica para a Liga Europa. De um bairro operário de Esmirna para as luzes da cidade que foi Bizâncio e Constantinopla. Como no filme Taçsız Kral


Parece que, esta época, Dona Águia tirou bilhete para as margens do mar Egeu. PAOK e AEK, Salónica e Atenas; Fernerbahçe e Galatasaray, Istambul. Eis quilómetros e quilómetros, agora novamente naquele ponto em que a Ásia e a Europa se cruzam, cidade que Jimmy Kennedy e Nat Simon transformaram numa famosa música do final dos anos-50: “Every gal in Constantinople/Is a Miss-stanbul, not Constantinople/So if you’ve date in Constantinople/She’ll be waiting in Istanbul”. Deixemos de lado o trocadilho talvez ligeiramente cabotino. É o Galatasaray Spor Kulübü que espera o Benfica naquela que além de Constantinopla também foi Bizâncio.

E não, hoje não vou falar aqui do grupo de rapazolas do Liceu de Galata que fundou o clube em 1905, mas numa personagem que pode dizer muito pouco à generalidade dos nossos concidadãos, mas que bule francamente com os sentimentos dos adeptos do Glatasaray.

Metin Oktai nasceu a 2 de Fevereiro de 1936, em Esmirna, no bairro operário de Çiftefırınla. Dá cãimbras na língua, mas a língua turca não é propriamente escorreita e que dirão eles do português. Nessa altura a República já se tinha instalado e Oktai num instante se transformou num moço louco pelo tal desporto bretão que deixa cabeças à roda um pouco por todo este redondo planeta ligeiramente achatado nos pólos. No dia em que assistiu, ao vivo, a um jogo daqueles que vestiam camisolas encarnadas e amarelas, tomou a decisão de que se tornaria jogador de futebol e, mal tivesse oportunidade, poria os pés ao caminho do Cabo do Serralho. Dito e feito.

Aos 19 anos assinou contrato. Como prémio recebeu um Chevrolet Bel Air. Um luxo! A carreira de Metin foi única na história do Galatasaray. Logo na primeira época marcou 19 golos em 17 jogos. Caiu no goto da populaça. E reconfirmou o que Gündüz Kılıç, um dos treinadores mais brilhantes da Turquia, tinha visto nele quando vestia a camisola do Izmirspor, primeiro grande passo apó as experiências juvenis no Damlacık e no Yün Mensucat.

“Been a long time gone/Old Constantinople’s still has Turkish delight/On a moonlight night”, cantavam os The Four Lads. O jovem Oktai gostava das luzes da cidade e ainda mais das luzes da ribalta. O Galatasaray foi duas vezes campeão durante os seus primeiros cinco anos no clube e ele foi por quatro vezes o maior goleador da prova. Apaixonou-se completamente pela sua vida de artista e por uma rapariga chamada Servet Kardicali. Foi pai de uma menina, pouco depois. Deu-lhe o nome de Zeynep. E viu-a morrer-lhe nos braços no mesmo dia em que nasceu. Tornou-se um homem triste.

Religião. “A minha religião é o Galatasaray”, disse um dia. “Não se limita a ser a minha casa. É a minha paixão e a minha crença”. Um romântico num tempo em que o futebol era pleno de romantismo. De tal forma que a sua vida deu um filme: Taçsız Kral. Pode traduzir-se para O Rei Sem Coroa. Realizado por Atıf Yılmaz e levado às salas de cinema em 1965, precisamente dez anos depois de Metin ter assinado o primeiro contrato com o Galatasaray e de se ter estreado pela selecção turca, coincidência dos diabos, frente a Portugal, em dois jogos particulares que a equipa das quinas realizou à beira do Bósforo.

Nessa altura já a vida de Oktai andara de Cila para Caribdis. A morte da pequena Zeynep destrui-lhe o casamento e tomaria por mulher Oya Sari que cedo começou a comer-lhe as papas da cabeça com a mania de regressar ao conforto caseiro de Esmirna. Em Taçsiz Kral. o diálogo entre ambos é esclarecedor. Oya: ”Vais ter de escolher entre mim e o Galatasaray!” Metin: “Escolho o Galatasaray, claro! Sempre me foi mais fiel do que tu a mim”.

A história deste amor a amarelo e vermelho teve uma interrupção na época de 1960-61. Metin Oktai foi para Itália, para o Palermo, mas praticamente não jogou. Volto ao filme de Atif para contar outro episódio lírico em volta do seu regresso. Müslüm Bagcilar, vice-presidente do Fernerbahçe ofereceu-lhe um cheque em branco. “Põe aí a quantia que quiseres”, terá dito. A resposta de Oktai é quase adivinhável: “Não vamos desiludir quem nos ama; não entremos numa traição por um punhado de liras”. Liras turcas, claro. O respeito entre os dois homens tornou-se tão estreito que a festa de despedida do Rei Sem Coroa foi precisamente frente ao rival Fernerbahçe. Ao intervalo, Metin trocou de camisola com o grande Can Bartu e jogou toda a segunda parte de amarelo e azul. Seria a sua única traição. Ninguém levou a mal. “Why did Constantinople get the works?/That’s nobody’s business but the Turks”. É isso mesmo. Eles que se entendam.