Joana Amaral Dias. “Não existe democracia em Portugal” | Fotos

Joana Amaral Dias. “Não existe democracia em Portugal” | Fotos


Apareceu na política pela mão do BE, mas agora é na TV que a sua voz se faz ouvir. Ao divulgar o relatório secreto da CGD, agitou o país. E é com o seu Agir que quer mudar a AR


Nasceu a 1 de janeiro de 1975. Como é festejar o aniversário depois da passagem de ano?

Não nasci a 1 de janeiro, é uma gralha da Wikipédia. Nasci a 13 de maio e é bom festejar nesse dia porque toda a gente se recorda do meu aniversário e me associa a uma santinha.

Sendo filha de pai e mãe ligados à psicologia, o que a marcou mais na infância?

Os meus pais não são bem ligados à psicologia, os meus pais são médicos psiquiatras e psicanalistas. Aquilo que mais me marcou foi definitivamente a liberdade com que fui criada e que os meus pais me deram para fazer as minhas escolhas.

As escolhas sempre foram as melhores?

Toda a gente tem coisas que, se voltasse atrás, faria diferente, mas, de uma maneira geral, as escolhas foram minhas e gosto das escolhas que fiz. As outras pessoas é que podem não gostar.

Vivia aonde?

Em Coimbra, a minha família quer materna quer paterna são de Coimbra, são famílias típicas de Coimbra por razões diferentes. Do lado da minha mãe são todos universitários, o pai da minha mãe era professor catedrático de Medicina. E do lado do meu pai são mais ligados ao fado e à Académica, um lado mais popular. Nasci em Angola, mas cresci em Coimbra.

Nasceu onde em Angola?

Em Luanda, porque o meu pai já era médico, integrado nas estruturas militares, foi chamado a cumprir serviço militar.
A minha mãe acabou por ir para lá porque, na altura, também já era médica e esteve a trabalhar num hospital em Luanda. Depois viemos para Coimbra, onde fiz a minha vida toda, e já na idade adulta e com um filho é que vim viver para Lisboa.

Os seus pais davam consultas em casa e li um episódio onde se diz que a Joana gostava desde muito cedo de se pirar de casa…

Ainda hoje gosto de me pirar de casa. (risos)

Às vezes havia situações estranhas em que não era muito normal os doentes verem sapatos a saltar pela janela e depois verem alguém a descer.

Sempre fui uma filha bastante responsável no que diz respeito à escolaridade e àquilo que eram cumprimentos familiares, etc., mas nunca quis que os meus pais me cortassem a liberdade. Não que eles cortassem muito, mas queria sair à noite naquela fase dos 13/14 anos e os meus pais achavam que naquela idade ainda era precoce. Mas eu decidia que saía na mesma, e quando decidia isso tinha de arranjar forma de sair. Morava numa vivenda grande, os meus pais tinham o consultório numa subcave, depois havia o rés-do-chão e depois o primeiro andar, que era o andar dos quartos, que ainda tinha uma altura – correspondia quase a um segundo andar, mas como sempre fui atleta saltava do quarto para a rua.

Saltava?

Sim, mandava primeiro os sapatos para não me magoar no impacto no solo e depois saltava. A janela do meu quarto era no alinhamento vertical da janela do consultório do meu pai. Num desses episódios há um paciente que diz ao meu pai que vê uns sapatos a cair no chão. O meu pai, provavelmente, interpretou analiticamente essa situação e a seguir o paciente disse que viu a sua filha.

O seu pai não acreditou?

Não acreditou, mas no fim da consulta foi ao meu quarto e constatou que eu não estava. Quando cheguei a casa, às duas ou três da manhã, não me recordo bem das horas, tinha o meu pai à espera.

O que lhe disse?

Não me disse grande coisa, disse-me para não fazer isso. Como disse, os meus pais davam-me muitas responsabilidades, mas também me davam muita autonomia. Como, por exemplo?

Tínhamos de ser atletas de topo, alunos de topo, ser tudo de topo. Tínhamos de fazer as tarefas de casa, tínhamos de ajudar os mais fracos.

Também li outro episódio engraçado em que pegaram fogo à cozinha enquanto o seu pai atendia um grupo de esquizofrénicos…

Era um grupo que o meu pai tinha aos sábados de manhã. Era um grupo de psicóticos, um grupo pesado, e há um dia que eu e meu irmão – que é um ano e meio mais velho que eu, éramos e somos cúmplices – decidimos que íamos fazer o pequeno-almoço, e era daquelas cozinhas que tinha exaustores com filtros tipo lã de vidro e que, se estiverem com gordura, são altamente combustíveis, e foi o que aconteceu. Pegou fogo, mas ainda tentámos controlar aquilo, não conseguimos, entrámos em pânico e rompemos pelo consultório adentro. O meu pai tinha dez ou 12 psicóticos a ouvir que a casa estava a arder.
E, realmente, aquilo era uma situação perigosa porque a botija estava ali ao lado, mas foi uma situação bastante caricata com aquele aparato todo: os bombeiros, os esquizofrénicos na rampa, porque a vivenda tinha uma rampa de acesso à garagem, e depois gerou-se um grande aparato com os pacientes, alguns descompensaram, descomplexaram não sei, mas certamente ficaram um pouco mais inquietos. E eu e o meu irmão a acharmos que tinha sido uma manhã muito divertida.

Aos 14/15 anos já ganhava o seu dinheiro…

Sim, porque como os meus pais nos incutiram muito esse espírito de autonomia, e como gostava de ter dinheiro para fazer aquilo que me apetecia, como as férias que queria, ir aos sítios que queria, aos festivais que queria e para as viagens que queria, fiz de tudo um pouco. Comecei a dar explicações porque era muito boa aluna, fazia baby-sitting, traduções. A verdade é que tinha sempre muito dinheiro, muito mais do que os outros da minha idade. A primeira grande viagem que fiz tinha uns 16 anos, fomos de carro com uns amigos mais velhos, fizemos quase toda a Europa e tive dinheiro para me sustentar durante dois meses.

Faziam grandes festas quando os pais não estavam em casa?

Fazíamos. Eram famosas essas festas em Coimbra. Conseguíamos meter 60 a 70 miúdos no jardim durante um sábado sem que os pais dessem conta. Eles saíam na sexta-feira para os congressos, nós começámos a recusar ir, chegavam no domingo e a casa estava impecável. Um brinco.

Bebiam álcool?

Bebia-se, mas nunca foi essa onda. A onda dessas festas e o que marca a minha adolescência e a do meu irmão é mais o convívio, as viagens, a música, a dança. Havia álcool, claro, e mais tarde os charros. Mas nunca foi uma coisa importante nas nossas vidas, foi sempre uma coisa marginal, e na vida dos nossos amigos.

As imagens da sua vida nessa idade são estas?

É isso. Um dos aspetos que tenho dito é que o desporto foi fundamental para a minha educação. Aliás, uma batalha que tenho relativamente ao sistema educativo é o desporto, porque foi neste que desenvolvi as minhas melhores qualidades: disciplina, humildade, esforço, perseverança.

O que fez?

Muita coisa. Fiz ballet clássico durante 12 anos e levava aquilo à séria, os meus pais também exigiam que levasse isso a sério. O meu irmão fazia ténis, foi campeão regional, e isso era visto não como uma coisa suplementar. Era visto como uma disciplina importante e, às vezes, mais do que as outras.

Fez ballet e mais o quê?

Fiz e faço muito desporto. Fiz hóquei em patins na Académica, faço e sempre fiz desportos de combate, joguei futebol. Fizemos o primeiro campeonato feminino interliceus em Coimbra, com mais umas miúdas da José Falcão. Mas o desporto-base que fiz na minha formação foi o ballet, que é particularmente muito exigente e rigoroso.

Como era ser “filha de”?

É sempre uma faca de dois gumes: quando se é competente e se faz bem – e eu era muito boa aluna, a melhor aluna do curso – é porque é “filha de”; quando não se é tão bom ou se fica um pouco aquém, ai que vergonha porque é “filha de”. Fiz muitas outras coisas. A faculdade, não assumia; embora me dedicasse à faculdade e fosse marrona, não era a única coisa que fazia da vida.

Que outras coisas?

Fazia trabalho de voluntariado, que fiz sempre. Comecei logo a trabalhar na rua com prostitutas e com toxicodependentes, fazia troca de seringas. Nessa altura, os programas de prevenção de risco eram muito hard core. Nos anos 90, isso era uma coisa bastante forte. Fazia desporto e depois fui mãe aos 22 anos, tinha mais com que me preocupar do que com o que os outros pensavam.

E a psicologia foi uma escolha natural?

Foi mais ou menos natural. Gostava mais de filosofia, mas tirava melhores notas a Física. Estava um bocado dividida, e a psicologia acaba, às vezes, por ser a confluência de uma parte mais das humanidades com uma parte mais científico-natural.

Sai de casa aos 19 anos, continua em Coimbra?

Sim, só vim viver para Lisboa com 26 ou 27 anos.

Como foi ser mãe aos 22 anos?

Foi uma escolha minha. Toda a gente me dizia que era uma escolha errada porque estava no terceiro ano da faculdade, e algumas pessoas da família, mas mais pessoas de fora, diziam-me que não ia conseguir acabar o curso, que ia ser uma desgraçada e que ia estragar a vida. Mas queria muito ser mãe e já tinha posto isso na cabeça, ninguém me ia demover, e assim foi. E foi ótimo, foi maravilhoso, completamente diferente de ser mãe mais velha.
É claro que tem vantagens e desvantagens como tudo na vida mas, de facto, foi muito bonito porque o Vicente cresceu comigo e eu com ele. Isso também nos traz uma cumplicidade muito especial.

A Joana e os seus pais tinham uma visão diferente da política?

Tinham, embora tenham tido o seu momento. Os meus pais fizeram parte da crise estudantil de 69, o meu pai foi várias vezes preso pela PIDE, a minha mãe esteve presa enquanto estava grávida do meu irmão Henrique. O meu pai chegou a comer documentos em frente à polícia para não ser incriminado. Não eram propriamente uns copinhos de leite. Penso que a seguir ao 25 de Abril introduziram algum fator de moderação nas suas escolhas políticas, mas de personalidade e constitucionalmente são ambos mais conservadores do que eu. São pessoas politizadas. O meu pai, hoje em dia, não é muito de esquerda, tem uma visão económica liberal, muito mais do que a minha. A minha mãe é de esquerda, mas de uma esquerda muito mais moderada. Diria que na maior parte das vezes votará PS, terá um ou outro momento em que votou noutro partido, nomeadamente em mim.

Na sua profissão teve algum episódio fora do normal?

Claro que sim. Faço clínica privada, os pacientes marcam uma primeira consulta e não há propriamente um processo de triagem. Nunca sei quem é que amanhã às 11h da manhã se vai sentar no gabinete comigo. Pode ser uma vítima, mas também pode ser um agressor; pode ser uma pessoa bem-intencionada, mas também pode ser uma pessoa mal-intencionada. Nestes 20 anos de prática clínica já tive situações complicadas – felizmente, nenhuma grave.

Complicadas como?

Já tive pacientes agressivos, descompensados, já tive pacientes que me ameaçaram de morte. Já tive pessoas que desmaiaram, outras ficaram histéricas. O meu avô psiquiatra, Nunes Vicente, dizia sempre que o maior risco de qualquer clínico era levar com uma secretária na cabeça de um maníaco ou ter uma histérica apaixonada por si.

Já teve os dois casos?

Já. Já tive a minha dose.

Por aparecer na televisão, poderá haver pessoas a irem ao consultório por causa disso?

Claro, qualquer clínico que esteja exposto publicamente, procuram-no precisamente por isso. Veem isso como uma validação das suas competências, e isso, depois, são questões que têm de ser trabalhadas com o paciente: porque é que prefere uma pessoa com exposição mediática e se isso quer dizer alguma coisa da personalidade dessa própria pessoa, e isso deve ser elaborado durante as consultas.

Como entra na vida política?

Era muito ativa em Coimbra, principalmente a trabalhar com franjas de exclusão social muito graves e, na altura, quando surgiu o Bloco de Esquerda, surgiu muito associado a essas questões. E como era uma ativa e tinha montado uma organização não governamental que tinha cerca de 100 voluntários na região Centro – era uma coisa muito grande e dinâmica, e organizava muitos encontros e debates –, o Bloco fez praticamente um recrutamento, que é aquilo que os partidos fazem. Começaram a convidar-me para estar presente em debates e em conversas.

Como acha que chegou a deputada?

Porque tinha a experiência muito desenvolvida nas áreas de exclusão social, porque tenho facilidade na parte oratória, porque sou combativa em debate.

E por ser bonita…

Talvez, mas raparigas bonitas há ao pontapé, felizmente. Não estou a dizer que isso não tem influência, tudo tem influência, mas foi um conjunto de circunstâncias.

Falei em ser bonita porque já disse várias vezes que o corpo também é um instrumento político…

O corpo é um instrumento político. Ainda hoje não percebo muito bem o que as pessoas querem dizer da pior herança da filosofia cartesiana da separação mente/corpo. A mente também é corpo, os órgãos produzem as suas funções, o estômago faz a digestão, o cérebro faz o pensamento, é tudo corpo, é tudo matéria.
E como não sou animista nem católica, não percebo muito bem essas diferenças. Corpo são e mente sã é um dos lemas da minha vida e vejo corpo e mente como uma só coisa. Alguém há de me explicar porque é que cabeça não é corpo.

Qual foi a grande experiência no parlamento?

Lembro-me do meu primeiro debate parlamentar. O Bloco tinha a tradição de lançar um pouco as pessoas às feras, no sentido de não preparar muito, e até bem, de certa forma. Não reagi mal porque isso fazia parte da tradição da casa dos meus pais: desenrasca-te. Lembro-me que esse primeiro debate foi sobre a liberalização das drogas leves, seria um tema que era mais ou menos da minha área e com que estaria familiarizada. Lembro-me de ter corrido bem.

Como se sentiu no parlamento?

Achei que era um ambiente extremamente conservador, ainda hoje acho, com ar viciado e muito pouco saudável. Recordo–me melhor do dia em que saí da Assembleia do que do dia em que entrei porque no dia em que saí, e isso faz parte do protocolo, o presidente da mesa tem de dizer o nome completo do deputado, a dizer que sai e que será substituído pelo deputado x, e lembro-me de, quando foi lido o meu nome, ter havido uma ovação mais ou menos digna do 8.o D. Já não havia apupos desse género desde a minha turma do 8.o D, e esse ambiente marcou-me mais.
É um ambiente de que não gosto.

Mas foi apupada à saída?

Sim, no sentido como se fosse “a gaja gira vai-se embora”. Acho ridículo, patético.

Mas não é por causa disso que quer lá voltar…

Não sei se quero lá voltar ou não. Luto pelo direito de lá voltar, é diferente. Uma das coisas que tenho introduzido ou tentado introduzir no debate político é a limitação dos mandatos aos deputados. Não acho aceitável que estejam lá deputados desde que nasci. O princípio da alternância em democracia é um dos princípios fundamentais para a existência da própria democracia. Se não há alternância, não há democracia. Não é aceitável que estejam lá deputados sentados há 40 anos, isso é tóxico e venenoso. Um bom barómetro para auferir a qualidade de uma democracia é a facilidade com que se entra e quando se sai dos exercícios dos quadros públicos.
É por esse espaço que luto, não acho saudável que estejam lá pessoas a criar raízes. As pessoas que se dizem verdadeiros democratas e pugnam pela ética republicana deviam ser os primeiros a dizer que um deputado não devia fazer mais do que três mandatos consecutivos. Três mandatos parece-me razoável, já são 15 ou 12 anos, caramba, não chega para desenvolver um trabalho para serem avaliados?
E depois voltam naturalmente à sua vida civil e ao exercício das suas profissões.

É essa rebeldia que a levou a apoiar Mário Soares para a Presidência contra a opinião do Bloco de Esquerda?

Fui mais esteticista e os resultados estão à vista porque, nessa altura, o que se configurava no horizonte – cresci no cavaquismo, abominava aquela densidade de nevoeiro que se abateu sobre a sociedade portuguesa nos anos 90 – era levar com o Presidente da República Cavaco Silva dez anos. Achei que a esquerda tinha de se unir em torno de um candidato que pudesse ser uma figura de convergência, onde pudessem fluir várias vontades, e a verdade é que o Bloco e outras forças não quiseram nessa época, mas anos depois já quiseram com Manuel Alegre. Foi pena, porque foi noutro tempo e já foi inoportuno porque, entretanto, Cavaco Silva já tinha firmado os pés em Belém e depois é muito mais difícil derrubar uma figura que já está enquistada do que alguém que está a disputar a entrada no poder. Achei que era errado a esquerda fazer a fragmentação habitual dos candidatos – era Jerónimo de Sousa, era Francisco Louçã – e que nos devíamos concentrar num candidato só, eventualmente Mário Soares.

Acabou por se desfiliar em 2014…

Não sei bem em que ano é que me desfiliei porque, na prática, passei a ser observadora internacional, deixei de pagar quotas, deixei de ir a reuniões.

A seguir entra no movimento Juntos Podemos…

Esse movimento foi criado de propósito para ser temporário porque era uma congregação de vários movimentos e resultou numa plataforma para fazer deliberação sobre uma série de aspetos que estavam a inquietar a sociedade portuguesa na altura. Foi no rescaldo do “Que se Lixe a Troika”. Tenho um movimento político de que já fazia parte nessa altura, que era o Agir, e o Agir o que tem feito é participar e tem feito coligações em várias frentes de vários partidos. Nessa altura pertencemos ao Juntos Podemos, depois fizemos uma coligação com o Partido Trabalhista para concorrer às eleições legislativas em 2015, e depois com o Nós Cidadãos nas autárquicas. Isto para dizer que o Agir continua a existir.

E quem é o líder?

Não há um líder. Há uma figura pivô que dá a cara. Há uma linha de intervenção que adotámos em 2015, que é ação direta. Nessa campanha fomos nós que subimos à Assembleia da República para pôr a placa a dizer “vendido” e a bandeira da Grécia no Castelo de São Jorge, etc. E continuamos a fazer a nossa ação política direta.

Isso pode ser considerado como uma brincadeira de rapazolas.

Acho que a divulgação da auditoria da Caixa Geral de Depósitos não é uma brincadeira.

Isso é uma questão diferente…

É uma ação direta na mesma. Há muitas formas de ação direta.

A Joana diz-se de esquerda.

Digo que sou de esquerda, embora tenha muitas dúvidas relativamente a isso.

Identifica-se de alguma forma com os governos totalitários, como o da Venezuela?

Não, aliás, repudio qualquer forma de totalitarismo ou ditadura de esquerda ou de direita.

Como há pessoas tão díspares nos seus movimentos?

No PS também há pessoas que são díspares e no PSD nem sem fala. O Agir tem uma agenda com três ou quatro pontos que são altamente aglutinadores, que penso que são importantes e mais ou menos transversais e comuns a toda a sociedade portuguesa. E é isso que junta algumas pessoas, também não somos assim muitos, mas somos bastantes para já termos feito algumas coisas com algum impacto. Um desses denominadores comuns e que é muito importante é o combate à corrupção, que continua a ser, em Portugal, visto como uma causa populista, embora todas as organizações internacionais coloquem Portugal muitíssimo mal classificado em todos os rankings oficiais. Não entendo como é possível que qualquer partido, desde o Bloco de Esquerda ao CDS, não tenha isso como prioridade na sua agenda. Isso foi sempre uma prioridade para o Agir e continua a ser. Outra é a reforma do sistema político, que vai desde a reforma dos sistemas nominais até haver avaliação, rankings dos deputados, como há em muitos países europeus. Sabemos que Ricardo Sixto é o deputado mais produtivo em diplomas sobre a pobreza em Espanha porque há avaliação do trabalho dos deputados.

Também defende a diminuição dos deputados?

Não. Acho que isso é uma medida facilitista. Se compararmos com a média europeia, não temos deputados a mais. Há países que têm o mesmo número de cidadãos e têm muito mais deputados – é o caso da Suécia, que tem 300 e tal deputados. Essa é uma medida fácil. Não quer dizer que a Assembleia da República passe a ficar mais elegante, podemos cortar na Assembleia da República, mas estamos a cortar no músculo e no osso, e não na gordura. Não é por ter menos deputados que a Assembleia da República vai passar a ser mais ágil ou mais produtiva. Acho que há outras medidas muito mais exigentes e que realmente dão muito mais trabalho, mas que dignificariam e ofereceriam mais garantias, como é o caso do ranking dos deputados e do registo biométrico. Não se percebe como não se aceita o registo biométrico no parlamento, acabaria certamente com esta postura absolutamente indecorosa das faltas, das viagens. Repare, temos um Orçamento do Estado que foi votado em falsidade, mas o que é isto? É uma República que se dá ao respeito? Isto é absolutamente inaceitável. Estes são os dois pontos principais da agenda do Agir, são denominadores comuns e aglutinam muitas boas pessoas da direita à esquerda, de norte a sul, de leste a oeste, e não tenho, ao contrário de algumas pessoas puristas e virgens, a análise de que as pessoas de esquerda são superiores moralmente às pessoas de direita ou outra coisa qualquer. Embora me identifique muito mais com as ideias de esquerda, acho que há ideias interessantes em vários quadrantes políticos e que devem ser valorizadas. Essa é a justificação para haver alguma composição híbrida e multivariada no Agir.

Em ano de eleições, o Agir vai avançar?

É surpresa. Gosto de surpreender.

É um ano atípico…

Pois, nós já começámos o ano e achámos que devíamos marcar o ano eleitoral.

Deixe-me voltar atrás e falar da famosa foto em que se despiu. Quais as críticas que mais sofreu quando se despiu em plena campanha eleitoral?

Sei lá, diziam que estava nua. (risos)

O que a levou a fazer aquilo?

A história é muito simples. Estava à espera de engravidar uns meses depois, mas engravidei mais rápido. A culpa é da minha ginecologista (risos), porque engravidei mais rápido do que era suposto e pura e simplesmente estávamos em plena campanha, em setembro. Engravidei em junho, em julho percebi que estava grávida, em agosto a barriga cresceu e, quando voltei, em setembro, achei que era melhor comunicar às pessoas que estava grávida. Até porque tive ali um pequeno percalço; depois as coisas resolveram-se e não sabia, se por acaso elegêssemos – o que não era muito provável –, se podia cumprir o mandato. Achei, por uma questão de transparência e de honestidade, comunicar. Ia estar a esconder a barriga? Ia estar à espera que um jornalista me perguntasse se estava grávida? Então dou uma conferência em setembro a dizer que estava grávida e, se elegêssemos, seria o Nuno Ramos de Almeida a fazer a minha licença de maternidade. Achava que era uma coisa normalíssima e que era a minha obrigação para com os eleitores. Qual não é o meu espanto quando, depois desta conferência de imprensa – sobre a qual há registo e é fácil verificar –, várias pessoas da esquerda à direita se levantaram a dizer que estava a instrumentalizar a minha gravidez. Achei isso incrível porque sabemos como as mulheres em Portugal são tratadas a propósito da maternidade. Há muitas pessoas a carpir o facto de não haver crianças a nascer mas, depois, a primeira coisa que fazem quando as mulheres chegam às empresas é perguntar se são mães ou não, se vão engravidar ou não. Achei tudo isso absolutamente incrível neste nível em que uma mulher diz que está grávida e tem de levar com meio mundo a criticá-la. E, portanto, a capa da revista “Cristina” surge neste contexto. Pois estou grávida, so what? (risos)

E depois quis repetir…

E repeti.

Gostou…

Gostei porque ficaram todos muito incomodados. Da esquerda à direita, ficam sempre muito melindrados quando veem o corpo da mulher. Se está vestida é porque está vestida, se está despida é porque está despida. Marcelo Rebelo de Sousa pode aparecer a nadar no Tejo ou em Pedrógão. António Costa pode andar com a sua barriga à vontade na orla marítima e ninguém faz comentários, porque é o corpo do homem. Quando é o corpo da mulher, da esquerda à direita, ai aqui d’el–rei que ela devia estar de burca. Temos pena, isso não vai acontecer. A segunda leva de fotografias foi capa da revista “Domingo” do “Correio da Manhã”. Mais uma vez não mostrava nada, ninguém via maminhas, nem perninhas, nem rabinho, viam, de facto, uma barriga que mostrava mensagens escritas. Fiz aquilo que achei que devia fazer e estou de consciência tranquila relativamente a isso.

Mas sente que isso prejudicou os resultados?

Não sabemos. Um dos problemas da política é que atingimos um nível primaveril em que só se pensa nos resultados. E diz–se tudo ao contrário para atingir determinados resultados, e perdem-se convicções, perdem-se ideias, perde-se a postura. Uma coisa a que não estou disposta, em troca de quê? De um prato de tremoços? Não estávamos dispostos a isso, defendemos a paridade entre homens e mulheres. Achámos essa ideia de controlo do corpo das mulheres absolutamente ridícula, inaceitável num país do séc. xxi.

A Joana não tem problemas nenhuns em dar uso ao corpo…

Mas porque haveria de ter problemas? Porque se fosse uma atriz e estivesse de biquíni já não haveria problema?

Estava a dizer que não tem medo que isso afete a credibilidade política numa sociedade tão conservadora…

Porque haveria de afetar a minha credibilidade política? Não tenho de me adaptar camaleonicamente à sociedade em que vivo, tenho de me adaptar, sim, à sociedade em que vivo. Não acho que isso seja um aspeto positivo na nossa sociedade e, por isso, não tenho de o defender.

Qual foi a melhor votação que teve até hoje?

Não sei. Tive sempre votações muito fraquinhas. (risos) Quatro votos? Não sei de cor, juro. (risos)

Isso não desmotiva?

Não. O que me motiva não é a cenoura. Se quisesse ser deputada, já o era. Se quisesse uma via verde para o sucesso, isso já estava resolvido.

Por falar nisso, o que se passou com o convite do PS em 2009? Embora Paulo Campos tenha dito que não a tinha convidado, Sócrates disse o mesmo… Poderia ter feito parte do governo de Sócrates…

Nunca quis fazer parte do governo de José Sócrates, mesmo quando todos queriam fazer parte da vida de Sócrates. Sinto-me de consciência tranquila em relação a esse aspeto. Paulo Campos ligou-me, propôs-
-me ser deputada e propôs-me inclusivamente que, se não quisesse ficar na Assembleia da República por muito tempo – porque já tinha sido deputada –, poderia ir dirigir um instituto como o Instituto Português da Juventude ou da Droga e Toxicodependência, que era a minha área, convite que recusei. Recusei de uma forma gentil e educada, e achei que, embora a minha relação com o BE já não fosse a melhor, devia ter a hombridade de comunicar ao Francisco Louçã o que tinha acontecido, não fosse ele saber de outra forma. Comuniquei e Francisco Louçã resolveu divulgar à comunicação social.

Num estudo divulgado aparece como a nona pessoa mais influente do Twitter e Rui Tavares como a primeira. Sendo dos mais influentes, como interpreta terem poucos votos nas urnas?

Não me admira, acho que os políticos não conseguem votos nas urnas. Temos 50% de abstenção, que é outro problema gravíssimo, e daí termos como segunda prioridade a reforma do sistema político.

Mas os 50% que vão votar votam noutros partidos…

E há 50% que não vão votar e, se calhar, preferem estar nas redes sociais porque consideram que o sistema político está completamente descredibilizado.

Não vamos mandar no país através das redes sociais…

Pois não. Por isso mesmo é que precisamos de fazer alterações profundas, e há aspetos práticos, alguns deles já mencionei, podia apontar mais 50.

Não acha que há alguma coisa que falha aí?

Acho. O que falha é o sistema político, que está totalmente descredibilizado. As pessoas não acreditam nos partidos, não querem votar nos partidos, não querem eleger para a Assembleia da República, estão totalmente afastadas, e isso tem consequências.

Acha que há uma dificuldade em falar com o povo?

Não sinto nenhuma dificuldade em falar com o povo. Acho que há muitos aspetos que podem interferir aí e, sinceramente, não é aquilo que mais me preocupa na análise política.

A Joana tem mais de 40 mil seguidores no Instagram. Acha que, nas futuras eleições, alguns desses seguidores irão votar em si?

Não é diretamente revertível o número de seguidores no Facebook, no Instagram ou no Twitter para a urna.

Mas a Joana tem hoje uma visibilidade muito superior à que tinha há três ou quatro anos…

Não me posso queixar. Faço por isso, trabalho para isso.

Por falar em redes sociais, anunciou aí que iria divulgar uma “bomba” e revelou depois a auditoria à Caixa Geral de Depósitos. Acha que havia falta de vontade de divulgar essas informações?

Certamente porque esse relatório passou pelas mãos de muitas pessoas. A versão definitiva foi entregue em agosto de 2018 e, por alguma razão, o regulador não a divulgou, o governo não a quis ver, os deputados não tiveram acesso. Como é que isto é justificável?

Mas agora a polémica anda à volta do facto de o relatório ser preliminar e não definitivo…

Isso não existe. Aconselho cuidado e caldos de galinha a quem diz isso porque uma das coisas que justamente o Ministério Público está a investigar é o ocultamento do passivo e das imparidades e a tentativa de branqueamento das contas do banco. A informação a que tenho acesso – além de ter acesso ao relatório também tenho acesso a outra informação – é que o relatório final, pelo menos na altura que foi entregue, não diferia em nada substantivo dessa versão.

Os valores não diferem muito?

Acha? Então como é que as pessoas que dizem isso vão justificar os seis mil milhões de euros que foram injetados desde 2012 na Caixa Geral de Depósitos? Vão justificar com que razão? Injetámos mais ou menos 20 mil milhões de euros na banca nos últimos dez anos; destes, seis mil milhões de euros foram para a Caixa. Recordo que, em 2012, a Caixa não fez parte do escrutínio da troika e logo nesse ano foram injetados pelo governo de Pedro Passos Coelho 1,5 mil milhões de euros sem qualquer auditoria. Agora não há imparidades no banco? Vão justificar esses 6 mil milhões como? E esta auditoria da EY é de 2000 a 2015 porque é óbvio que antes de 2000 exatamente a mesma promiscuidade se passou na Caixa Geral de Depósitos, não há dúvidas. Teve momentos melhores, teve momentos piores, talvez este momento tenha sido pior, sobretudo depois de 2005, mas isso não foi um vírus ou um bug do milénio. A Caixa sempre foi este poço sem fundo, serviu como braço forte do poder político para basicamente comprar aliados, para arquitetar uma perigosa rede clientelar que contribui para que Portugal seja campeão da corrupção.

Ficou surpreendida ou pensava que ainda haveria mais prejuízos?

Fiquei sobretudo desgostosa porque, quando li o relatório, no dia em que me foi entregue, fiquei com muitas dúvidas e críticas quanto à democracia portuguesa e ao regime. Nunca pensei em dizer isto, mas deixei de acreditar na democracia portuguesa. Não existe democracia em Portugal.
É uma ficção. Nunca pensei chegar a isto, porque quando ouvia as pessoas a dizerem isso achava que elas eram populistas, exageradas e radicais. Depois de ver aquele relatório, não tenho dúvidas que isso é mesmo assim. Não há mesmo democracia em Portugal. O que houve estes anos na Caixa Geral de Depósitos, de chegarem lá amigos de gestores ou de administradores ou de deputados ou de ministros e dizerem que querem milhões, para o que não têm quaisquer garantias e a avaliação de risco é claramente negativa, mas levam esses mesmos milhões e, obviamente, não cumprem, atesta aquilo que estou a dizer. Aquilo é um banco público.

Por ser público, ganha outros contornos…

Recapitalizámos o BPN, o BES, o BCP, o BPP, mas isto é o banco público. O que se passou neste banco nunca poderia ter acontecido em nenhuma escala.

O facto de as nomeações serem políticas não contribui para a sua transparência?

As nomeações devem ser políticas fazendo da Caixa Geral de Depósitos um instrumento a favor da alavancagem e da dinamização da economia portuguesa, e não propriamente para encherem os bolsos a meia dúzia de piranhas de um sistema.

Mas é por isso que não vivemos numa democracia?

Perante estes dados não estamos numa democracia, porque não é aceitável.

As democracias têm lacunas…

Isto não são lacunas. Há 17 gestores desta altura que continuam a ter cargos máximos de relevância. Faria de Oliveira preside à Associação Portuguesa de Bancos, Carlos Costa foi administrador da Caixa Geral de Depósitos e preside ao Banco de Portugal, Tomás Correia está à frente da Associação Mutualista Montepio. Há não sei quantos gestores que continuam dentro da banca. Aliás, destes, só dois é que não entraram, não foram reciclados outra vez no sistema bancário porque foram impedidos pelas instâncias europeias, senão também continuavam. O que acontece neste momento é que não há democracia porque a equipa que está a jogar contra a outra equipa é exatamente da mesma cor, e o árbitro e o VAR também. Não há jogo político, não há jogo democrático, estão todos exatamente a comer da mesma gamela e a agasalharem-se nos mesmos lençóis – obviamente, não há democracia. Não acha que é legítima a dúvida quando olhamos para esta situação? Porque é que o Banco de Portugal até hoje não emitiu sequer um comunicado sobre aquilo que aconteceu? Não acha que é legítimo que um cidadão que leia jornais e que esteja minimamente informado olhe para isto e pense que ele está a proteger-se a si mesmo? Esteve na Caixa Geral de Depósitos, não viu nada, não se passa nada.

Tem a noção de que todos sabiam o que se passava?

É claro que todos sabiam.

Por isso é que fala no tal regabofe?

Todos sabiam o que se passava de certeza, uns melhor do que outros. Até jornalistas sabiam pelas investigações que foram fazendo. O que este relatório traz é, de facto, uma visão panorâmica de conjunto e um atestado a muitas informações que foram sendo levantadas, porque há aqui muitos dados que já eram motivos de suspeita ou até mesmo de investigação.

O caso de Vale do Lobo?

Por exemplo. Como era possível financiar quando toda a gente sabia que aquilo era um poço sem fundo? Como é possível essa insistência?

E um banco que também foi usado para uma guerra interna num banco privado…

O BCP, em que são oferecidas como garantias as próprias ações. Acha que isso é sequer imaginável num regime democrático? Penso que não é. Este tipo de promiscuidade é que nos faz questionar todo o sistema.

Recebeu algumas ameaças?

Sim. São sobretudo de anónimos, os cobardes gostam de máscaras.

Mas isso é mais no Facebook?

Facebook e não só. Todos os meus contactos são mais ou menos públicos. É muito fácil aceder.

Mas recebe muitas ameaças?

Sempre recebi, desde a extrema-direita até ameaças isoladas. Nunca me preocupei com isso e palavra de honra que não perco dois minutos a pensar sobre isso.

Não seria desejável alargar o leque após 2015?

Acho que sim. Além disso, é preciso atribuir outro tipo de responsabilidades.
A Deloitte, que foi a auditora da Caixa não sei quantos anos, também não viu nada. Todos estes atores supostamente credíveis e com créditos firmados na sociedade portuguesa e até internacional nunca souberam de nada e nunca viram nada do que se passava na Caixa Geral de Depósitos. Se isto não merece responsabilidades e se não merece consequências, então não sei o que é que merece. Não consigo imaginar, sinceramente, tirando crimes como envenenar os cidadãos através de um saneamento público de ar, uma coisa mais grave do que esta. Tivemos de cortar no Sistema Nacional de Saúde, tivemos de cortar na escola pública, tivemos de cortar numa série de dinamização de pequenos e médios empresários, e depois acontece isto. Sabe quanto é que, em média, os portugueses dão por ano para a corrupção? 1800 euros. Gastamos 8% do nosso PIB em corrupção, Luanda, por exemplo, gasta 0,7%.

Gasta como?

O que os índices de corrupção mostram é que custa a cada português isto: 1800 euros por ano. É mais do que gastamos em medidas de combate ao desemprego. Cada euro gasto em corrupção – e isto não é populismo – é tirado a um apoio de um velhote ou à educação de uma criança. Quais são as responsabilidades políticas? Vejo com um crime de lesa-pátria porque não consigo imaginar – talvez a fantasia pródiga de alguns psicopatas à frente do país o consiga fazer – um crime mais grave para o país do que este, do que roubar o dinheiro diretamente às pessoas, do seu trabalho, do seu esforço diário e da sua construção, porque a Caixa Geral de Depósitos é também a construção de todos os portugueses.

Mas o facto de as auditoras não saberem de nada não é inédito em Portugal.

Aqui, o que é inédito é que se trata de um banco público. Por exemplo, a comissão de avaliação de risco da Caixa reunia-se à quinta-feira de manhã e à quarta eram entregues os documentos. Ou são todos uns génios da finança ou gostava de saber como é que de quarta para quinta conseguiam fazer a avaliação do risco. Claro que não faziam, era uma reunião de fachada e de fantoches.

O que contava era a pessoa que pedia o empréstimo?

Óbvio, e as ligações que tinha, os contactos que tinha, o poder que tinha, o prestígio que tinha, a influência que tinha. Isto chama-se tráfico de influências, chama-
-se corrupção. Chama-se crise de lesa-
-pátria com esta magnitude e regularidade porque o crime também se mede pelo aspeto reiterado, e ao longo destes anos todos é um crime contra o país, contra a nação. E tem nomes e rostos, estão lá no relatório, está à vista de todos.

Acha que há mais algum banco em estado crítico?

O Montepio é um deles. É uma bomba que está prontinha para nos explodir na cara. E agora que Tomás Correia está outra vez à frente, acho muito perigoso.

A ideia que se tem de si é que estava ligada a partidos de esquerda. Acha que essa imagem ainda hoje existe?

Acho que as pessoas, hoje em dia, têm uma visão menos dicotómica do que é esquerda e direita, e acho que há uma série de outras dualidades que entraram no cenário político e de que as pessoas têm mais consciência – por exemplo, se calhar, entre mais produtiva ou mais ambientalista, identidade, raça, género – que entraram de facto no debate político e que não se reduzem à ideia de esquerda e de direita. Em relação à esquerda há muitos aspetos em que me revejo, mas não me identifico com aquela imagem de índios e cowboys, com essa divisão tão simplista da realidade. Esquerda e direita não é a realidade, é a leitura da realidade, é uma forma de ler a realidade. Se há pessoas que não me identificam apenas como esquerda, ainda bem.

Não tem receio de ser considerada uma populista de direita?

Não tenho receio de nada, as minhas posições são públicas, justifico-as. Podem rever–se ou podem não se rever. Podem gostar, podem concordar, podem discordar.

O que pensa de Francisco Louçã?

É um excelente ponta-de-lança, é um homem muito inteligente, muito capaz. Acho, contudo, que tomou algumas decisões políticas erradas e a pior de todas, na minha perspetiva, foi a geringonça.

Acha que é o ideólogo da geringonça?

Claro, disso não há dúvidas.

E o que pensa de ele estar no Banco
de Portugal?

Acho que faz parte deste processo de institucionalização e normalização do BE, o qual vejo com algum desgosto. Acho que o papel de crítica social aguçada e também de alguma rebeldia do BE era muito importante na sociedade portuguesa e ficou um enorme vazio. Outra coisa que está a enfraquecer a nossa democracia é que António Costa governa como se tivesse uma passadeira vermelha a descer pela Avenida da Liberdade porque a direita não existe, está totalmente esfrangalhada, e a esquerda está metida no bolso direito de António Costa. Neste momento não há oxigenação na vida política portuguesa e isso é mais um facto perigoso.

Imagina-se na Assembleia
da Republica?

Imagino-me a fazer aquilo que gosto de fazer, que é lutar por uma sociedade mais justa e mais transparente. Foi por isso que avançámos agora com a divulgação do relatório da Caixa Geral de Depósitos. Certamente, 2019 é um ano político extremamente importante e continuo a defender–me como uma ativista política como sempre fui, desde os tempos da faculdade.

O que tem a dizer sobre Fernando Medina?

Vejo-o como um político monárquico, alguém que herdou o poder. Acho-o fraco politicamente, pouco ousado, não acho grande orador nem que tenha feito nada de especial pela cidade de Lisboa. Acho-o um mau presidente da câmara e um político com pouca espessura, com pouca densidade, mas a verdade é que ganhou.

Como viu os acontecimentos no Bairro da Jamaica?

Portugal é um país racista, sobre isso não há dúvidas nenhumas. Só quem não anda nas ruas e não fala com as pessoas é que não ouve os comentários xenófobos e violentos contra pessoas não caucasianas, apesar de os portugueses não serem assim tão caucasianos como pensam que são. Isso é herança de várias coisas, de uma educação pobre, de um espírito colonial que ainda está muito aceso em muitas regiões do país, mas acho que uma leitura simplista do que se passa no Bairro da Jamaica só serve para motivar ódios, nomeadamente ódio racial. Aquilo que se passa no Bairro da Jamaica é uma história de terror em que a Câmara do Seixal teve grandes responsabilidades durante muitos anos, porque aquilo é um bairro de ocupação pós-25 de Abril que já não devia existir, devia ter sido demolido há muito tempo e aquelas famílias realojadas. Qualquer leitura simplista de polícias contra pessoas afrodescendentes é uma leitura de insuflar espíritos malévolos, porque é muito mais complexo do que isso.  E as pessoas que trabalham e que são honestas e que vivem no Bairro da Jamaica sabem disso muito bem.

Como acha que os intelectuais a veem ao estar no “Correio da Manhã” a defender…

Acho que me veem com preconceito e com estereótipo. Acham que o “Correio da Manhã” é um pasquim sensacionalista e que todas as pessoas que lá escrevem são sensacionalistas. Isso é tão cínico. Quando o António Costa tinha lá uma coluna e já era autarca em Lisboa, o Partido Socialista batia palmas ao “Correio da Manhã” todos os dias (risos), agora é o Belzebu. Acho só cínico e disparatado, são quase infantis algumas avaliações desse género. Não estou na vida pública para ser amada, desejada e acarinhada. Para isso, estou em casa, onde sou muito desejada e muito amada. Estou na vida pública porque tenho coisas para dizer, porque me convidam e me pedem para dizer coisas, mas não estou propriamente à procura de autoestima. Por isso, não vejo as críticas e os ataques como sendo pessoais, estão a atacar uma persona pública. Estão no seu direito.

E gosta desse reconhecimento, dessa fama?

É o meu trabalho, é a minha atividade. Aí está, a fama tem coisas boas e más: pessoas que odeiam e que atacam e pessoas que adoram e mimam. Vejo isso como parte integrante do processo. Não é nenhuma dessas coisas que me move propriamente, isso são efeitos colaterais.