A terceira guerra mundial começou: Facebook, Apple, Amazon, Microsoft e Google (FAAMG) contra o mundo


Parece que encontrámos o inimigo e, mais uma vez, somos nós. Algumas lições para a sobrevivência num mundo sem lei


A máxima de Proudhon (“a propriedade é o roubo!”) nunca esteve tão presente como nos dias de hoje. As empresas com maiores taxas de crescimento, com maior percentagem de lucros e cujo volume de negócios é superior ao PIB de Portugal vivem de um modelo de negócio baseado no roubo. Não pense o leitor amigo que, num saudosismo da análise marxista, nos referimos ao roubo da mais-valia do trabalho. Não, caro e benigno leitor, lamentamos a violação sistemática de regras jurídicas em vigor e que proíbem expressamente as práticas que fundam o lucro das empresas ditas “tecnológicas”. Estas empresas, no acrónimo FAAMG, que junta as iniciais das mais conhecidas (que, por sua vez, detêm muitas outras, num processo de concentração empresarial que no passado obrigou os EUA a, em nome da defesa da concorrência, dividirem a Standard Oil e a AT&T), vivem da venda de informação (dados pessoais) dos utilizadores sem que estes consintam e sobretudo sem que recebam uma compensação financeira pela venda de tais dados. Não vale o argumento simplista a favor da existência de um sinalagma resultante da utilização gratuita de determinados serviços. As FAAMG ganham muito mais com a obtenção de dados pessoais do que o valor dos serviços prestados aos utilizadores. E o acesso a tais serviços depende sempre da cedência de dados pessoais (consentida ou não).

Curiosamente, todas estas empresas, apesar de presentes em todos os recantos do planeta, têm sede social nos EUA. Já pela Europa não há nenhuma empresa que possa sonhar em ombrear com as FAAMG (ou pior, que seja suficientemente atraente para ser comprada…). Em compensação, pela Europa há abundância de normas jurídicas regulando a protecção dos dados pessoais, umas elencadas, sob forma de convenções internacionais abertas a todos os Estados, pelo Conselho da Europa, outras sistematizadas pela União Europeia (mais recentemente, o Regulamento Geral de Protecção de Dados, RGPD).

O RGPD manteve a maioria dos conceitos e obrigações da directiva 95/46, mas causou comoção por uma razão fundamental. Substituiu, a pedido das empresas, o controlo prévio de conformidade dos procedimentos por um controlo sucessivo baseado num regime sancionatório pesado (que pode chegar a 4% do volume de negócios à escala mundial da empresa violadora), acompanhado da figura, de origem germânica, do Encarregado de Protecção de Dados junto das entidades que procedem ao tratamento de dados pessoais (sejam elas públicas ou privadas).

Esta divisão internacional do trabalho (violadores das normas de protecção de dados com sede social nos EUA e mecanismos de fiscalização e controlo baseados na UE) está destinada a evoluir, a bem de uma visão dialéctica da História. As FAAMG arriscam-se a ser sistematicamente condenadas pela violação do RGPD. Esta semana foi conhecida a coima aplicada pela Autoridade Nacional de Protecção de Dados francesa à Google: 50 milhões de euros por violação das obrigações relativas à licitude do consentimento para o tratamento de dados pessoais. Para que a Google prestasse atenção a esta coima seria preciso acrescentar-lhe dois zeros, aproximando-se assim do limite de 4% do volume mundial de negócios…

Curiosamente, serão as FAAMG as mais interessadas no estabelecimento à escala planetária de um level playing field regulatório que empreste previsibilidade ao negócio. E será pela sua longa mão que um dia surgirá uma lei federal nos EUA com uma versão redux do RGPD. Até lá cobrir-se-ão de glória os activistas que desafiem as FAAMG.

 

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990