Adoro os comentadores políticos que estão sempre a dizer “não faço futurologia”. Adoro-os em duas medidas. Antes do mais, porque uma coluna de opinião que apenas escrutina o presente e se limita a informar os leitores nunca poderá ser um verdadeiro exercício de opinião, sendo antes, na verdade, um espaço de informação – o que deveria ser um território reservado aos jornalistas, e não aos cronistas.
Adoro estes colegas cronistas também numa outra dimensão, porque o “não sou ninguém para adivinhar o futuro” quer, na maioria das vezes, dizer “não quero estar a comprometer-me com nenhuma das fações porque posso vir a ser prejudicado no futuro”. Em suma, na minha humilde opinião, um cronista político que não faz futurologia está para a sua vida de cronista como um meteorologista que se recusa a dizer se vai ou não chover para a semana. Trocando por miúdos, é um inútil.
Como encaro a crónica política e a opinião pública como um gesto de liberdade, achei que deveria escrever esta crónica. Um resumo, para o comum português, de tudo aquilo que se diz nos bastidores da política nacional mas que pouca gente tem coragem de dizer nas televisões ou tornar público nos jornais. Se estou certo ou errado, a História fará o seu julgamento e obviamente que existem milhões de imponderáveis que podem mudar tudo aquilo que vão ler daqui para a frente.
Vamos lá então começar: Rui Rio tentou transformar o PSD num partido de centro-esquerda e esta estratégia ditará uma derrota estrondosa do partido nas eleições europeias, provavelmente até o pior resultado de sempre da história do partido.
Não sou politólogo – porque esses não sabem nada sobre eleições –, sou publicitário, por isso posso não perceber nada de política, mas sei como funciona a cabeça dos consumidores. Basta ver as primeiras sondagens sobre as europeias, a aparecerem com o partido abaixo dos 20%, como a de ontem da Aximage, para percebermos a dimensão da tempestade que está prestes a desabar em cima da São Caetano à Lapa.
Logo, o mais provável nestas legislativas é que António Costa as vença com maioria absoluta. Essa maioria criará uma enorme fricção com o PCP e com o BE que fará com que o atual primeiro-ministro perceba o que é governar com as máquinas sindicais (afetas ao PCP) verdadeiramente mobilizadas e nas ruas, e com a esquerda radical (afeta ao BE) a apedrejar a “bosta da bófia” e a incendiar autocarros de pessoas honestas e trabalhadoras que estavam tranquilamente em casa a dormir, porque no outro dia se levantam cedo para irem trabalhar, visto não andarem a assaltar bancos e, ao contrário das manas Mortágua, não viverem desde sempre de vencimentos pagos pelos nossos impostos.
Por outro lado, o mais provável é que o clima económico internacional mude e que Portugal não esteja preparado para enfrentar uma nova crise financeira global – se tem interesse sobre o tema, leia a entrevista de Mira Amaral à “Forbes” deste mês. Ou seja, quanto tempo resistirá António Costa a esta nova legislatura? Para já, é uma incógnita, mas pode nem sequer chegar a 2023.
É este o ponto em que esta crónica começa a tornar-se interessante. Com a saída de António Costa de cena desenham-se, obviamente, novas soluções para a liderança socialista, e não é por o primeiro-ministro gritar no palanque do congresso do PS “ainda não meti os papéis para a reforma” que elas não estão já a ser discutidas e trabalhadas no interior do aparelho: Ana Catarina Mendes, Fernando Medina e Pedro Nuno Santos.
Sobre o PS e estes nomes, não há grande discussão a fazer: a primeira é intelectualmente limitada e politicamente fraquinha, o segundo pode até ser o preferido de Costa e ter o apoio das elites, mas apenas o terceiro tem aquilo que é importante: o aparelho controlado e uma mensagem ideologicamente mobilizadora, capaz de conquistar votos ao centro e secar eleitoralmente a extrema-esquerda. Leiam a entrevista de Vasco Pulido Valente ao “DN” de há três semanas e percebam melhor aquilo que estou a tentar explicar-vos.
Vamos agora ao PSD. Até que António Costa saia de cena, o presidente do PSD, seja ele qual for, não passará de um mero líder de transição. Alguém quer mesmo isso para a sua vida? É por isso que Miguel Morgado foi tão inteligente em ter-se posicionado já para disputar a liderança do partido.
Ninguém tem dúvidas de que Morgado é um dos melhores quadros do partido; é provavelmente o único que tem uma visão ideológica do que deve ser o novo centro-direita português e que, mesmo não tendo (ainda) tropas no aparelho, mais cedo ou mais tarde será líder do partido. Aliás, Santana disse-lhe isso mesmo, olhos nos olhos, no “Expresso da Meia-Noite” de há duas semanas. Sobre Morgado, para terminar, convém lembrar: Passos também perdeu em 2008 para Manuela Ferreira Leite e, dois anos depois, tornou-se líder do partido.
Vamos agora falar de Santana Lopes e da Aliança, que pela primeira vez começa a aparecer nas sondagens (“Expresso” da semana passada) e que, ao que parece, irá mesmo conseguir formar um grupo parlamentar. Primeira conclusão: quem pensava que Santana vinha para brincar, acho que já percebeu que esta brincadeira pode trazer consequências graves ao PSD. Aliás, não tenho a mínima dúvida de que este novo partido terá um resultado forte e roubará vários deputados aos sociais-democratas. Inclusive em círculos eleitorais onde nunca ninguém sonharia que isso seria possível.
Mas e qual será o day after das eleições? A isso, só Santana e a força eleitoral que os portugueses lhe quiserem dar poderão dar uma resposta. O que hoje tenho por certo é que o pântano em que se tornou o PSD irá fazer lucrar muito o novo partido de Santana. Mas que partido é este? Quem serão os seus outros rostos? Ideologicamente, estará onde? Isto são tudo perguntas que ainda estão por responder. O potencial está todo lá, a imprensa, ao que parece, também, e a conjuntura não podia ser melhor. Mas para ser uma verdadeira alternativa falta algo que Santana ainda não apresentou: rostos novos, diferentes e com o seu nível de eloquência.
Vamos agora virar ligeiramente à direita e falar do CDS. Neste momento, não sobe nem desce nas sondagens. Poderá até beneficiar da queda do PSD, mas nunca irá lucrar deste facto com a mesma intensidade com que conseguiu subir nas autárquicas em Lisboa – isto, obviamente, por causa do surgimento de novos partidos a disputar a sua área política.
Quererá Assunção Cristas manter-se por mais duas legislaturas à frente do partido? Tenho dúvidas – até porque sobre o CDS é sempre difícil haver certezas. O que sei é que também no Largo do Caldas se desenham duas opções claras para a sucessão de Cristas: de um lado, a democracia cristã conservadora do inteligente e eloquente Francisco Rodrigues dos Santos; no lado ideologicamente oposto, o liberalismo de Adolfo Mesquita Nunes, unanimemente considerado, em todos os quadrantes, como um dos melhores e mais geniais políticos nacionais. Tendo o “Chicão” apenas 30 anos, e Mesquita Nunes 41, é fácil chegarem a um consenso geracional: como, no CDS, todos sempre se entenderam bem em discordar, o mais provável é que, em 2023, seja Mesquita Nunes a liderar o partido.
Para terminar, uma nota sobre André Ventura e o seu Chega. Há quem diga que o Chega é um movimento de extrema-direita, o que é mentira. Do que vi, este é um novo movimento de centro-direita de índole popular, o que é algo bastante diferente. Ventura disse isso mesmo, esta quarta-feira, à porta do Tribunal Constitucional, quando entregou as 7500 assinaturas. Aliás, como muito bem referiram vários jornais, a carta de princípios fundadora do novo partido é tudo menos uma carta de intenções que minimamente se pareça com a extrema-direita.
Há quem também diga que Ventura é um ignorante, o que é uma mentira ainda maior. André Ventura, que conheço pessoalmente há mais de dez anos, não é apenas o boneco que criou enquanto benfiquista doente (o maior dos seus defeitos) e comentador televisivo da CMTV. Bem pelo contrário: Ventura terminou o liceu com média de 18, a licenciatura em Direito na Universidade Nova de Lisboa com média de 19 e doutorou-se com distinção em Direito Público na University College of Cork. Foi funcionário público e investigador residente do CEDIS (Centro de Investigação & Desenvolvimento sobre Direito e Sociedade da FDUNL), e embora ainda seja bastante novo é professor numa universidade privada, onde é regente de várias cadeiras, e também já o foi numa reputadíssima universidade pública. Em suma, o André é um jurista altamente conceituado e publicado na área fiscal que já foi consultor de várias das maiores sociedades de advogados do país. É esta a definição de ignorante?!
Poderá André Ventura ter expressão eleitoral? Não tenho dúvidas nenhumas que sim – não foi por acaso que deu ao PSD o maior resultado eleitoral de sempre em Loures. Os portugueses estão fartos dos partidos do sistema e o voto de protesto tem muito por onde escalar no nosso país. Por isso mesmo, em 2023, André Ventura será muito provavelmente um nome incontornável da política nacional. Com 5%, 10%, ou 40%? A isso, ninguém nos dias de hoje sabe responder. Dependerá tudo da forma como souber gerir a linha que separa aquilo que é política popular de mensagens puramente populistas; aquilo que é uma mensagem liberal e antissistema daquilo que possam ser perigosos desvios para uma direita saudosista que nada nos aponta quanto ao futuro.
Resumindo e concluindo: os políticos de 2023 serão, pelo menos na sua maioria, bem mais interessantes do que os políticos de 2019. Finalmente, parece que ocorrerá uma verdadeira renovação geracional na política nacional e uma verdadeira reorganização daquilo a que sempre gostámos de chamar “arco da governação”. Ou seja, onde antes só cabiam três, agora caberão pelo menos mais duas forças políticas, ou três, caso a Iniciativa Liberal nos pregue uma surpresa. Esperemos para ver. Eu cá estou ansioso que chegue 2023.