A obra do artista finlandês Jani Leinonen presta-se a ser alvo de opiniões mais ou menos extremadas – foi, aliás, pensada para provocar esse momento de reflexão. Trata-se da mascote do McDonalds, o boneco Ronald McDonald, crucificado, no lugar de Jesus Cristo, e dá por nome de ‘McJesus’. Foi realizada em acrílico e resina, mede cerca de 1,20m, e faz parte de uma série de obras criadas por Leinonen em 2015 e que põe o símbolo da cadeia de fast-food norte-americana a encarnar outros papéis – desde um faraó egípcio a Lenine. McJesus estava desde o verão passado exposta, a empréstimo, no museu de Arte de Haifa, um dos três grandes museus de Israel, a norte do país. Mas os violentos protestos da comunidade cristã naquela região há duas semanas obrigaram a que a peça fosse retirada da exposição.
A mostra – que conta com outras obras na mesma linha, como a Barbie e Ken dos artistas argentinos Pool & Marianela, e que mimetizam a Virgem Maria– estava exposta desde 22 de julho do ano passado sem ter sido alvo de nenhum tipo de boicote. Mas uma publicação no Facebook no dia 11 de janeiro haveria de funcionar como o gatilho para os protestos. Segundo o “El País”, três dias depois da publicação centenas de pessoas manifestaram-se de forma “violenta” contra a exposição. Alguns manifestantes passaram mesmo das portas da instituição, “lançaram artefactos incendiários” e agrediram polícias, que responderam lançando gás lacrimogéneo. Cinco pessoas foram detidas nos confrontos e três polícias ficaram feridos.
“Oponho-me a esta escultura vergonhosa (…). Como uma pessoa cristã, ofendo-me profundamente com a esta representação dos nossos símbolos”, afirmou Nicola Abdo, um morador e manifestante citado pelo “Guardian”.
Os próprios representantes da igreja católica e ortodoxa juntaram-se aos protestos. “Entendemos que a exposição pretende criticar a sociedade de consumo e estamos com essas críticas. No entanto, o uso indevido dos factos mais importantes da nossa religião cristã é inaceitável para muitos cristãos e não-cristãos”, disse a Assembleia Ordinária de Católicos da Terra Santa em comunicado citado pelo “Público”.
Pressão e cedência O tom da ira continuou a escalar e Miri Regev, ministra da Cultura de Israel, acabou por pedir ao diretor dos museus municipais de Haifa, Nissim Tal, que retirasse a escultura do espaço. “Ridiculizar Jesus crucificado, o símbolo mais importante dos cristãos de todo o mundo, não pode ser camuflado como liberdade de expressão”, disse a ministra. A direção do museu não vacilou, alegando que era exatamente esse o ponto nevrálgico da questão: liberdade de expressão.
Segundo o que se lê no site da instituição, a exposição pretende reunir as “respostas dos artistas contemporâneos a assuntos de religião e fé no panorama atual, que é dominado por uma cultura consumista”. Também o artista sublinha que, num tempo de medalhinhas e outros santos made in China, o intuito da peça é “criticar o comércio religioso”.
Foi, talvez, a posição de Jani Leinonen que acabou por fazer com o que o braço de ferro pendesse para um dos lados. É que, à luz dos tumultos, o próprio artista, que nem sabia que o seu trabalho estava exposto em Haifa, concordou – e até pediu – que o seu trabalho fosse retirado da exposição. Contudo, Leinonen diz que a sua posição nada tem a ver com as pressões religiosas ou sociais – simplesmente, sendo pró-palestiniano, esta é a sua forma de boicotar Israel.
De volta a casa Na passada quinta-feira, Einat Kalisch-Rotem, mayor de Haifa, comunicou a decisão no Twitter. “Com o acordo dos líderes da Igreja, e uma vez que o contrato de empréstimo da escultura termina nos próximos dias, será removida e devolvida o mais rápido possível”, escreveu a governante na mensagem traduzida pelo “Times”.
Ao “El País”, o porta-voz do museu confirmou este fim de semana que a obra já tinha sido retirada, não escondendo uma certa estupefação pelo sucedido nos últimos dias. “[A escultura] esteve exposta durante seis meses, foi vista por um sem-número de pessoas, incluindo por grupos de várias congregações cristãs, sem recebermos nenhuma queixa”, afirmou.
A exposição vai ficar patente no museu até dia 17 de fevereiro, mas com cartazes no exterior do edifício a darem conta de que algumas peças podem ser vistas como uma ofensa para os crentes. Já McJesus voltará mais cedo para casa.