Cuidado com a invasão dos gambozinos


Se a democracia está a ser posta em causa a partir de dentro, com mentiras e políticas baseadas no preconceito, chegou a altura de a defendermos com algo mais que os mecanismos democráticos?


Como é que nos deixamos chegar até aqui? Como é que com milhares de anos de evolução, desenvolvimento do conhecimento, progresso, descobertas fantásticas, nada aprendemos? Como é que a memória se torna seletiva e geração após geração voltamos a cometer os mesmos erros? Nunca a humanidade conseguiu tanto e, mesmo assim, estamos sempre prontos a acreditar que em algum ponto no passado fomos melhores, estivemos melhor e prometíamos mais do que conseguimos vir a ser.

Não há nenhuma invasão comunista, o mundo não está a aquecer no núcleo porque um casal homossexual pode adotar uma criança, os trabalhos não estão a ser roubados por imigrantes, não há nenhum muro que trave o sonho de ter uma vida melhor, principalmente se o ponto de partida é o desespero. Mesmo assim há quem acredite nas aldrabices que lhes contam. Porquê? Predisposição genética, crença, convicção profunda?

O anonimato da internet e a velocidade das redes sociais ajudam a cultivar o lado mais negro de todos nós, reforçando os preconceitos e disseminando a mentira a uma velocidade tão grande que esta ganha dimensão de verdade pela simples disseminação. O mal não está na internet ou nas redes sociais, mas em nós. É mais fácil cultivar o preconceito em grupo do que tentar consertar os nossos defeitos em privado.

Como é que algum americano, em cujo sangue se encontram elos de ligação com vagas e vagas de imigrantes, pode atacar os imigrantes? Pode o sangue ser extirpado dessas ligações a tal ponto que sejam capazes de reinterpretar a realidade sem qualquer relação com ela? Podem ir contra si próprios, contra a sua herança genética?

Não se trata de votar à esquerda ou à direita, ser mais conservador ou mais liberal de costumes, querer ter mais ou menos Estado. Isso são formas reais de ver o mundo, ideologias que se podem discutir, são a riqueza da sociedade – visões diferentes que aquecem o debate e impedem as ideias de cristalizar.

Trata-se de manipular todos os dados em que estão assentes as medidas propostas, trata-se de ignorar todo o conhecimento e basear políticas em nada mais do que ideias preconcebidas.

Quando Donald Trump afirma perentoriamente que os Estados Unidos precisam do muro na fronteira com o México para travar o crime no país, a sua proposta não está assente em nenhum facto, em nenhum estudo, nem sequer na opinião de um especialista avulso.
E sem se importar de retirar o salário a 800 mil pessoas para chantagear a oposição, Trump continua a repetir a sua exigência como se o futuro do país estivesse a ser posto em causa.

Para um defensor da democracia, apesar dos seus defeitos, para um acérrimo combatente da liberdade de expressão, mesmo quando há opiniões que nos fazem aquecer o sangue nas veias, é cada vez mais difícil assistir, para quem respeita as regras, às trapaças de quem usa a democracia para nos fazer retroceder para tempos mais negros.

Não se trata de diferença de opiniões dentro do normal funcionamento da democracia, mas de patranhas, mentiras, intimidações para controlar o poder e pôr em causa os direitos, liberdades e garantias. Será que vamos assistir sem fazer nada ao degradar das nossas instituições, só para mantermos a superioridade moral de quem respeita as regras? Faz sentido ainda deixar que seja a democracia a corrigir, pela vontade do voto, as pretensões mais autoritárias quando os eleitores estão a ser claramente manipulados?

Precisamos de resistir à tentação de usar as mesmas armas, por mais que nos custe, por mais que tenhamos vontade de recorrer à nossa própria violência para travar a deles.

O presidente da Câmara de Gdansk foi assassinado à facada no palco de um concerto de beneficência.
O assassino sofre de perturbações mentais. No entanto, para lá da mão que empunhou a arma, há um clima de violência política, de intimidação, de degradação da democracia promovida por quem governa a Polónia que aumenta o temor de ver outros incidentes do género no futuro.

Jaroslaw Kaczynski, Viktor Orbán, Matteo Salvini, Jair Bolsonaro, Donald Trump cultivam o lado negro das sociedades, apelam aos nossos instintos mais selvagens, usam o preconceito como arma política e não precisam da verdade nem dos factos para ganhar popularidade.

Mesmo assim, quem acredita na democracia, quem acredita em políticas baseadas em factos e no conhecimento, quem defende a liberdade de expressão e de opinião como essencial à sociedade tem de encontrar formas de, dentro do respeito dos direitos, liberdades e garantias, combater esses autoritarismos preconceituosos disfarçados de políticas públicas.

É um combate difícil. Porque parece mais fácil convencer as pessoas de uma invasão de gambozinos do que levá-las a aceitar quem pensa o mundo de forma diferente. É, porém, um combate essencial para salvar a democracia. Estamos numa encruzilhada e o futuro do mundo como o conhecemos está em causa: ou conseguimos estabelecer de uma vez por todas que os gambozinos não existem ou acabaremos manietados por eles, em ditaduras disfarçadas de democracia, num mundo de aparente liberdade.


Cuidado com a invasão dos gambozinos


Se a democracia está a ser posta em causa a partir de dentro, com mentiras e políticas baseadas no preconceito, chegou a altura de a defendermos com algo mais que os mecanismos democráticos?


Como é que nos deixamos chegar até aqui? Como é que com milhares de anos de evolução, desenvolvimento do conhecimento, progresso, descobertas fantásticas, nada aprendemos? Como é que a memória se torna seletiva e geração após geração voltamos a cometer os mesmos erros? Nunca a humanidade conseguiu tanto e, mesmo assim, estamos sempre prontos a acreditar que em algum ponto no passado fomos melhores, estivemos melhor e prometíamos mais do que conseguimos vir a ser.

Não há nenhuma invasão comunista, o mundo não está a aquecer no núcleo porque um casal homossexual pode adotar uma criança, os trabalhos não estão a ser roubados por imigrantes, não há nenhum muro que trave o sonho de ter uma vida melhor, principalmente se o ponto de partida é o desespero. Mesmo assim há quem acredite nas aldrabices que lhes contam. Porquê? Predisposição genética, crença, convicção profunda?

O anonimato da internet e a velocidade das redes sociais ajudam a cultivar o lado mais negro de todos nós, reforçando os preconceitos e disseminando a mentira a uma velocidade tão grande que esta ganha dimensão de verdade pela simples disseminação. O mal não está na internet ou nas redes sociais, mas em nós. É mais fácil cultivar o preconceito em grupo do que tentar consertar os nossos defeitos em privado.

Como é que algum americano, em cujo sangue se encontram elos de ligação com vagas e vagas de imigrantes, pode atacar os imigrantes? Pode o sangue ser extirpado dessas ligações a tal ponto que sejam capazes de reinterpretar a realidade sem qualquer relação com ela? Podem ir contra si próprios, contra a sua herança genética?

Não se trata de votar à esquerda ou à direita, ser mais conservador ou mais liberal de costumes, querer ter mais ou menos Estado. Isso são formas reais de ver o mundo, ideologias que se podem discutir, são a riqueza da sociedade – visões diferentes que aquecem o debate e impedem as ideias de cristalizar.

Trata-se de manipular todos os dados em que estão assentes as medidas propostas, trata-se de ignorar todo o conhecimento e basear políticas em nada mais do que ideias preconcebidas.

Quando Donald Trump afirma perentoriamente que os Estados Unidos precisam do muro na fronteira com o México para travar o crime no país, a sua proposta não está assente em nenhum facto, em nenhum estudo, nem sequer na opinião de um especialista avulso.
E sem se importar de retirar o salário a 800 mil pessoas para chantagear a oposição, Trump continua a repetir a sua exigência como se o futuro do país estivesse a ser posto em causa.

Para um defensor da democracia, apesar dos seus defeitos, para um acérrimo combatente da liberdade de expressão, mesmo quando há opiniões que nos fazem aquecer o sangue nas veias, é cada vez mais difícil assistir, para quem respeita as regras, às trapaças de quem usa a democracia para nos fazer retroceder para tempos mais negros.

Não se trata de diferença de opiniões dentro do normal funcionamento da democracia, mas de patranhas, mentiras, intimidações para controlar o poder e pôr em causa os direitos, liberdades e garantias. Será que vamos assistir sem fazer nada ao degradar das nossas instituições, só para mantermos a superioridade moral de quem respeita as regras? Faz sentido ainda deixar que seja a democracia a corrigir, pela vontade do voto, as pretensões mais autoritárias quando os eleitores estão a ser claramente manipulados?

Precisamos de resistir à tentação de usar as mesmas armas, por mais que nos custe, por mais que tenhamos vontade de recorrer à nossa própria violência para travar a deles.

O presidente da Câmara de Gdansk foi assassinado à facada no palco de um concerto de beneficência.
O assassino sofre de perturbações mentais. No entanto, para lá da mão que empunhou a arma, há um clima de violência política, de intimidação, de degradação da democracia promovida por quem governa a Polónia que aumenta o temor de ver outros incidentes do género no futuro.

Jaroslaw Kaczynski, Viktor Orbán, Matteo Salvini, Jair Bolsonaro, Donald Trump cultivam o lado negro das sociedades, apelam aos nossos instintos mais selvagens, usam o preconceito como arma política e não precisam da verdade nem dos factos para ganhar popularidade.

Mesmo assim, quem acredita na democracia, quem acredita em políticas baseadas em factos e no conhecimento, quem defende a liberdade de expressão e de opinião como essencial à sociedade tem de encontrar formas de, dentro do respeito dos direitos, liberdades e garantias, combater esses autoritarismos preconceituosos disfarçados de políticas públicas.

É um combate difícil. Porque parece mais fácil convencer as pessoas de uma invasão de gambozinos do que levá-las a aceitar quem pensa o mundo de forma diferente. É, porém, um combate essencial para salvar a democracia. Estamos numa encruzilhada e o futuro do mundo como o conhecemos está em causa: ou conseguimos estabelecer de uma vez por todas que os gambozinos não existem ou acabaremos manietados por eles, em ditaduras disfarçadas de democracia, num mundo de aparente liberdade.