Como funcionam as ondas


Das histórias de superação que nos fazem parar e pensar 


Marta Paço ganhou a medalha de bronze no último mundial de surf adaptado, que teve lugar em dezembro na praia de La Jolla, nos Estados Unidos. Tem 14 anos, é cega de nascença, gosta de desportos radicais e promete dar cartas. Não vi ainda os programas badalados de Cristina e concorrência, que tantas lágrimas e tinta fizeram correr nos últimos dias. Foi a entrevista que Marta deu esta semana à “TSF” a emocionar-me, pela forma simples e bonita como foi conduzida e pela maneira como a sua história de superação nos faz parar e pensar. 

Marta é um ás no surf e nunca viu o mar. “O meu treinador Tiago Prieto está sempre comigo na água. Ele vai-me dando indicações verbais de como está a onda, vai-me avisando, diz ‘vai nesta’, por exemplo. Ele é os meus olhos na água”, conta. Nunca tendo visto o mar, como é que o descreve?, pergunta Bárbara Baldaia. “Eu vou na onda e sei que as ondas podem virar, podem ir para a esquerda ou para a direita e durante o surf eu consigo perceber isso. Só que explicar o mar eu não consigo”. No mar, mesmo sem o ver, Marta sente-se igual quando noutras vezes é a diferença que pesa. Costuma dizer por isso que o mar é justo. “Sei que o mar não me vai ajudar, vai ser igual para todos.”

As emoções servem para ganhar audiências, é uma maneira de o ver, mas são uma forma de nos aproximarmos dos outros que pode mudar a maneira como vemos o mundo, como nos relacionamos, cultivam a empatia e derrubam preconceitos, falam dos outros e metem-nos em perspectiva. E é por isso que ganham audiências. “As pessoas têm tentado entender-se e compreender-se através da televisão. Porque há uma enorme dificuldade de comunicação”, resumia esta semana ao i o sociólogo Manuel Villaverde Cabral.

Cristina, Goucha e outros tantos que ocupam as grelhas do entretenimento, nas bocas do mundo por uma guerra que terá mais de marketing do que de outra coisa qualquer,  erram, simplificam, provocam até – e estão sujeitos à crítica e ao escrutínio como no infeliz enquadramento da entrevista a Mário Machado – mas trazem muitas outras vezes à antena histórias de vida que não encontramos noutros lados, ou encontramos menos, e têm mérito por isso, por em muitas dessas  vezes não perderem esse foco. Não estão sozinhos e às vezes não é preciso nada de muito elaborado e grandes holofotes para insistir em quebrar barreiras e dar mundo, basta não esquecer de ver para lá do imediato, perguntar à rapariga cega que venceu o campeonato de surf como imagina o mar. 

 

Jornalista

Escreve à sexta-feira
 


Como funcionam as ondas


Das histórias de superação que nos fazem parar e pensar 


Marta Paço ganhou a medalha de bronze no último mundial de surf adaptado, que teve lugar em dezembro na praia de La Jolla, nos Estados Unidos. Tem 14 anos, é cega de nascença, gosta de desportos radicais e promete dar cartas. Não vi ainda os programas badalados de Cristina e concorrência, que tantas lágrimas e tinta fizeram correr nos últimos dias. Foi a entrevista que Marta deu esta semana à “TSF” a emocionar-me, pela forma simples e bonita como foi conduzida e pela maneira como a sua história de superação nos faz parar e pensar. 

Marta é um ás no surf e nunca viu o mar. “O meu treinador Tiago Prieto está sempre comigo na água. Ele vai-me dando indicações verbais de como está a onda, vai-me avisando, diz ‘vai nesta’, por exemplo. Ele é os meus olhos na água”, conta. Nunca tendo visto o mar, como é que o descreve?, pergunta Bárbara Baldaia. “Eu vou na onda e sei que as ondas podem virar, podem ir para a esquerda ou para a direita e durante o surf eu consigo perceber isso. Só que explicar o mar eu não consigo”. No mar, mesmo sem o ver, Marta sente-se igual quando noutras vezes é a diferença que pesa. Costuma dizer por isso que o mar é justo. “Sei que o mar não me vai ajudar, vai ser igual para todos.”

As emoções servem para ganhar audiências, é uma maneira de o ver, mas são uma forma de nos aproximarmos dos outros que pode mudar a maneira como vemos o mundo, como nos relacionamos, cultivam a empatia e derrubam preconceitos, falam dos outros e metem-nos em perspectiva. E é por isso que ganham audiências. “As pessoas têm tentado entender-se e compreender-se através da televisão. Porque há uma enorme dificuldade de comunicação”, resumia esta semana ao i o sociólogo Manuel Villaverde Cabral.

Cristina, Goucha e outros tantos que ocupam as grelhas do entretenimento, nas bocas do mundo por uma guerra que terá mais de marketing do que de outra coisa qualquer,  erram, simplificam, provocam até – e estão sujeitos à crítica e ao escrutínio como no infeliz enquadramento da entrevista a Mário Machado – mas trazem muitas outras vezes à antena histórias de vida que não encontramos noutros lados, ou encontramos menos, e têm mérito por isso, por em muitas dessas  vezes não perderem esse foco. Não estão sozinhos e às vezes não é preciso nada de muito elaborado e grandes holofotes para insistir em quebrar barreiras e dar mundo, basta não esquecer de ver para lá do imediato, perguntar à rapariga cega que venceu o campeonato de surf como imagina o mar. 

 

Jornalista

Escreve à sexta-feira