Nem durante a semana natalícia Trump conseguiu reduzir o frenesi twitteiro (o presidente da Reserva Federal tem, no teclar trumpiano, a cabeça a prémio, pelo que as bolsas americanas e asiáticas tiveram o pior Natal de sempre) e o girar da porta rotativa em que se transformou o actual governo dos EUA. Dia 20 de Dezembro recebeu em mão a carta de demissão do General Mattis, o Secretário da Defesa. Precisou de 5 dias para perceber o que lá estava escrito. Trump não é um leitor aplicado, mas 5 dias deveriam servir para conseguir ler página e meia. Não foi o caso. Ao quinto dia, depois de ter percebido pela via televisiva o que é que Mattis escreveu, Trump decidiu antecipar para 1 de Janeiro a saída do Secretário da Defesa, cortando dois meses ao período de transição anunciado pelo ainda titular (e que lhe permitiria vir à reunião dos ministros da Defesa da NATO ler em voz alta um testamento político que faria com que o discurso de Robert Gates sobre as responsabilidades dos europeus em matéria de defesa parecesse um suspiro).
O Departamento da Defesa dos EUA gere 5 milhões e 200 mil pessoas, entre militares, civis, reservistas e reformados (“veteranos”). Estes recursos humanos são quantitativamente equivalentes à actual população activa portuguesa. Aos recursos humanos há que acrescentar o gigantismo do equipamento (incluindo uma força nuclear estratégica projectável a partir de terra, ar e mar e 11 grupos de ataque com porta-aviões), a presença física em mais de 800 bases militares, em mais de 70 países, com uma história de intervenção militar em muitos mais. O Secretário da Defesa é, de facto, a segunda figura mais importante do governo americano. No caso de Mattis a importância da função era acompanhada pela experiência profissional, pela capacidade intelectual, pelo bom senso e por uma extraordinária resiliência face à turbulência do actual Presidente.
Mattis era o último sobrevivente de um conjunto de membros do Governo cujas qualidades procuravam compensar a inexperiência, ignorância e atitude errática de Trump. Confrontado com um anúncio irresponsável de retirada dos 2000 militares americanos que se encontram na Síria e antecipando uma decisão semelhante em relação ao Afeganistão, Mattis apresentou a demissão.
A carta de demissão lembra a Trump o que são alianças e parcerias e para que servem, enfatizando a sua particular utilidade num momento em que os EUA decidiram deixar de ser o polícia do mundo. Mattis critica a falta de vontade e as atitudes ambíguas em relação a Estados autoritários, (“malign actors and strategic compettitors”) como a Rússia e a China, que ganharam poder de veto em relação a política diplomática, económica e de segurança de outros Estados, com prejuízo dos interesses americanos e dos seus aliados.
O 45º Presidente dos EUA inventou para o Governo que chefia uma versão egocêntrica do jogo das chaises musicales, em que controla a música, o número de cadeiras e quem nelas se senta. Como quem tem tendência para se sentar em todas e cada uma as cadeiras é “the real Donald Trump”, o jogo caracteriza-se por ter um único jogador, ao melhor estilo “one man show”. Quando a música tocar pela última vez, Trump estará sentado na cadeira sobrante. Com a ajuda do investigador especial Mueller é provável que essa cadeira se encontre fora da Casa Branca.
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990