Anunciaram e garantiram que o povo ia parar o país


Se a expressão do protesto em função dos objetivos colocados foi manifestamente exagerada pela comunicação social, a sua ridicularização é um erro ainda maior. É preciso entender que há novos sujeitos políticos a emergir e que importa não os infantilizar 


“Vamos ter manifestações de grande dimensão em todo o país e mandam as regras do bom senso ter pessoal operacional” anunciava, sem hesitações, o intendente da PSP Alexandre Coimbra a 96 horas do evento convocado pelo Facebook. Os órgãos de comunicação social não se poupavam em elucubrações sobre o que se preparava, sem duvidar que seria um imenso movimento de massas que provaria a decrepitude das militâncias partidárias e sindicais. Confesso que parecia tudo tão óbvio que dei por mim a duvidar do meu algoritmo de conhecimentos – que, tenho para mim, é relativamente plural e interseccional – onde apenas parecia estar mobilizada a extrema direita e uns quantos oportunistas de todos os protestos. Não aconteceu e prova, em primeiro lugar, que um protesto ainda não se constrói exclusivamente pela capacidade com que se consegue projectar nos órgãos de comunicação social.

Há motivos para protestar? Sim. Muitas das questões levantadas devem ser motivo de protesto. Salário mínimo, impostos, portagens, democracia, factura da electricidade… Mas o movimento não hesitou em declarar como soluções uma aliança que parece estar concretizada em vários países do mundo entre o neoliberalismo mais radical e a extrema-direita. Aumento do salário mínimo das empresas pago pelo Estado, redução geral de impostos (o que significa beneficiar os mais tributados e, consequentemente, mais ricos), drástico corte no número de deputados com óbvia diminuição da pluralidade partidária. Esta agenda partidária, apresentada como sendo a expressão do senso comum, é capaz de relacionar realidades políticas que vão do eurocrata Vítor Gaspar ao guarda prisional neonazi, ou seja, o espectro partidário que congrega é bem mais lato do que expressão que assumiu nas ruas.

Mas poder-se-á dizer que foi uma manifestação de fascistas? De modo algum. Até não tenho dúvidas em escrever que a esmagadora das pessoas que se mobilizou para estar presente em piquetes por todo o país representa um potencial transformador importante. É decisivo que as forças progressistas o tomem como tal porque essas pessoas demonstraram estar a procurar de um outro caminho para o país e não me parece que estejamos assim tão distantes no que respeita ao diagnóstico.

Se a expressão do protesto em função dos objectivos colocados foi manifestamente exagerada pela comunicação social, a sua ridicularização é um erro ainda maior. Ao longo das últimas semanas foram criadas importantes relações e redes que não desaparecerão com o insucesso de dia 21 e cuja força estará muito além do número de pessoas que sairam às ruas. Mais, são redes em que a extrema-direita e os ultra liberais têm forte presença organizada, como se poderá constatar facilmente. Nessa medida é preciso entender que há novos sujeitos políticos a emergir e que importa não os infantilizar. 

 

Escreve à segunda-feira  
 


Anunciaram e garantiram que o povo ia parar o país


Se a expressão do protesto em função dos objetivos colocados foi manifestamente exagerada pela comunicação social, a sua ridicularização é um erro ainda maior. É preciso entender que há novos sujeitos políticos a emergir e que importa não os infantilizar 


“Vamos ter manifestações de grande dimensão em todo o país e mandam as regras do bom senso ter pessoal operacional” anunciava, sem hesitações, o intendente da PSP Alexandre Coimbra a 96 horas do evento convocado pelo Facebook. Os órgãos de comunicação social não se poupavam em elucubrações sobre o que se preparava, sem duvidar que seria um imenso movimento de massas que provaria a decrepitude das militâncias partidárias e sindicais. Confesso que parecia tudo tão óbvio que dei por mim a duvidar do meu algoritmo de conhecimentos – que, tenho para mim, é relativamente plural e interseccional – onde apenas parecia estar mobilizada a extrema direita e uns quantos oportunistas de todos os protestos. Não aconteceu e prova, em primeiro lugar, que um protesto ainda não se constrói exclusivamente pela capacidade com que se consegue projectar nos órgãos de comunicação social.

Há motivos para protestar? Sim. Muitas das questões levantadas devem ser motivo de protesto. Salário mínimo, impostos, portagens, democracia, factura da electricidade… Mas o movimento não hesitou em declarar como soluções uma aliança que parece estar concretizada em vários países do mundo entre o neoliberalismo mais radical e a extrema-direita. Aumento do salário mínimo das empresas pago pelo Estado, redução geral de impostos (o que significa beneficiar os mais tributados e, consequentemente, mais ricos), drástico corte no número de deputados com óbvia diminuição da pluralidade partidária. Esta agenda partidária, apresentada como sendo a expressão do senso comum, é capaz de relacionar realidades políticas que vão do eurocrata Vítor Gaspar ao guarda prisional neonazi, ou seja, o espectro partidário que congrega é bem mais lato do que expressão que assumiu nas ruas.

Mas poder-se-á dizer que foi uma manifestação de fascistas? De modo algum. Até não tenho dúvidas em escrever que a esmagadora das pessoas que se mobilizou para estar presente em piquetes por todo o país representa um potencial transformador importante. É decisivo que as forças progressistas o tomem como tal porque essas pessoas demonstraram estar a procurar de um outro caminho para o país e não me parece que estejamos assim tão distantes no que respeita ao diagnóstico.

Se a expressão do protesto em função dos objectivos colocados foi manifestamente exagerada pela comunicação social, a sua ridicularização é um erro ainda maior. Ao longo das últimas semanas foram criadas importantes relações e redes que não desaparecerão com o insucesso de dia 21 e cuja força estará muito além do número de pessoas que sairam às ruas. Mais, são redes em que a extrema-direita e os ultra liberais têm forte presença organizada, como se poderá constatar facilmente. Nessa medida é preciso entender que há novos sujeitos políticos a emergir e que importa não os infantilizar. 

 

Escreve à segunda-feira