Da arte da rinha em Portugal e o CSMP


Às vezes, estas discussões no nosso país fazem lembrar conflitos entre pais e filhos adolescentes, do tipo: em vez de “vamos falar com calma”, uns gritam e impõem e os outros amuam e batem com as portas


Alguma coisa vai mal no nosso reino da Dinamarca, caros leitores. De mal a podre. E não é a politização da justiça nem a judicialização da política, embora também pudéssemos gastar umas páginas e alguma reflexão sobre isso, se acaso sobrasse energia para refletir depois da gritaria diária em pensamento binário, em que tudo se reduz a ser contra ou a favor e a simplificações e processos de intenção. O que vai mal é a impossibilidade de discutir o que quer que seja com ponderação, calma e complexidade. Sobretudo se o que há para discutir se relacionar com justiça e se levantar – por boas, más ou quaisquer razões – um coro de suspeições e carpideiras. O mais recente exemplo é a possível alteração da composição do Conselho Superior do MP. Saí de Portugal há dias, em trabalho, para um país calmo (e aborrecido), e a gritaria começava. Agora, que cá estou e escrevo, chegam ecos de que os decibéis subiram, e, se bem vejo, e salvo melhor opinião, a argumentação tem uma riqueza inversamente proporcional à violência verbal da discussão. Já é costume, mas ainda me espanta, e não me conformo.

Mas será que não é possível discutir estas coisas profundamente e com serenidade, atentando na complexidade dos problemas e nas virtudes e defeitos das várias soluções possíveis, sem que tudo se reduza a extremos, slogans, argumentos raivosos, atitudes precipitadas, análises superficiais e um rasgar de vestes que, francamente, já enjoa?! Às vezes, desculpem a comparação, estas discussões no nosso país fazem lembrar conflitos entre pais e filhos adolescentes, do tipo: em vez de “vamos falar com calma”, uns gritam e impõem e os outros amuam e batem com as portas. Assim não vamos lá, e ainda menos vamos se tudo for um mar de suspeição e processos de intenção, alimentados por ressentimento, superficialidade e, também, alguma comunicação social (que também opina aqui e ali) carente de ruído vendável ou de ajustes de contas ou etc. Tudo parece rinha (palavra usada em certos lugares para luta de galos até à morte), como se só interessasse a luta em si, o sangue derramado e saber quem ganha ou perde. E a assistência, carente de entretenimento e sangue, aplaude, consome e gosta.

Ora, tenham dó e juízo, não é assim que se vive numa sociedade democrática que se quer saudável. E o tema em causa é demasiado complexo e sério para ser tratado desta forma, e exige profundidade e discussão a sério dos prós e contras das várias soluções possíveis. Sim, desculpem-me, mas há várias soluções possíveis e todas têm prós e contras. E nenhuma é o fim do mundo. Podia dar-vos a minha opinião sobre cada uma delas (e o que já vi ao longo dos anos…), lá isso podia, mas nem me atrevo, e nem é por medo do apedrejamento ou pior, é simplesmente porque duvido de que alguém esteja interessado. Só quererão saber talvez se sou contra ou a favor do preto ou do branco, e com que força (e possíveis más intenções, claro) grito de um lado ou de outro. Mas eu, para esse peditório, não estou disponível para dar.

 

Escreve quinzenalmente à sexta-feira