António Simões. “O golo ao Brasil em 1966 foi o momento mais bonito da minha vida!”

António Simões. “O golo ao Brasil em 1966 foi o momento mais bonito da minha vida!”


Amanhã, o mais jovem vencedor de uma Taça dos Campeões, irmão branco de Eusébio, figura única do futebol em Portugal, cumpre 75 anos


Hoje é dia de falar de António Simões.

Hoje é dia de falar com António Simões.

– Qual foi o momento mais bonito da tua carreira?

– Ah! O golo ao Brasil, de cabeça, no Mundial de 1966. Por tudo. De cabeça, logo eu! E aos campeões do mundo!

Simões cumpre, amanhã, 75 anos de vida. Ele que continua a ser, até hoje, o mais jovem vencedor de uma Taça dos Campeões.

Frequentemente, encontro o Simões.

Agora, por fazer anos, motivo mais do que justo.

O António é um amigo, mas isso não me obnublia a forma de o ver. Ao contrário do que fazia como jogador, não dribla, não faz que vai e não vai, não dá a sensação de ir cair para um lado e depois cair para o outro.

É direito. Vai a direito. Não se preocupa com os custos ou com as consequências. O seu lugar na história do futebol em Portugal não poderá nunca ser posto em causa. Aí estou com ele: venha quem vier.

E, apesar de tudo, pergunto-lhe: Que sentes significar tu para Portugal?

E ele, sem firulas: “Para o futebol, significo história; para o país, significo memória”.

Ora, como dizia Iva Delgado, a memória nunca prescreve. 

Podia recordar aqui, na véspera do seu 75.º aniversário, um nunca mais acabar de lances fantásticos de um jogador que foi ímpar. Mas, se me dão licença, vou recordar um momento especial da sua vida. Uma entrevista concedida ao meu velho camarada, Cruz dos Santos, da saudosa “A Bola” que não existe mais. Vivíamos a ressaca de 1966. Desse Mundial, no qual Simões recorda o momento mais feliz da sua vida. José Maria Antunes substituíra Manuel da Luz Afonso como selecionador e Juca tomara o lugar de Otto Glória como treinador. Nada foi igual. António Simões enfiou todos os dedos de uma vez só na purulenta ferida do futebol português: “Jogar na seleção deixou de ser uma honra para ser um risco de perda de prestígio!” E seguia no mesmo estilo contundente: “O selecionador não tem culpa, a culpa é de quem o lá pôs. Mas, talvez, exatamente porque é uma excelente pessoa e porque ainda vive as coisas do futebol com o mesmo espírito amador do seu tempo de futebolista, falta-lhe o espírito profissional que o cargo hoje exige. Por outras palavras: nos estágios da seleção, cada um podia fazer quase o que lhe apetecesse. Verifiquei por mim próprio. E, se não o fizemos, ou, pelo menos, se alguns de nós o não fizemos, foi só porque nós próprios entendemos que não podia ser, que isso nos seria prejudicial”. 

 

Saudade.

Essa entrevista ficou marcada a ferro e fogo.

Quando hoje lhe pergunto: De que sentes falta no futebol? Ele responde: “Da festa, da romaria!”  

Mas não percamos o tal exemplo seguro da sua personalidade inquebrável tão bem expressa nessa entrevista antiga: “Quero dar imagens daquilo em que a seleção se transformou: Juca ia dizer-nos que, no dia seguinte, o pequeno almoço era servido a determinada hora. Não chegava a acabar, porém, porque o selecionador interrompia-o e era ele quem acabava por nos fazer tal comunicação. Desorganização inconcebível no meio de tantos outros episódios que poderia apontar.  Aliás, quando a imprensa começou a noticiar que o Dr. José Maria Antunes ia ser convidado para voltar ao cargo de selecionador, logo se sentiu uma reação contrária por parte de muitos dos jogadores da seleção de 1966. E restou-nos, apenas, a esperança de que tal convite não se concretizasse. O tempo passou e, realmente, o Dr. José Maria Antunes voltou mesmo a ser o selecionador nacional. Ora, sabendo-se o que vários jogadores pensavam, não se pode compreender tal escolha. Antes que fosse formada a seleção do Dr. José Maria Antunes, já havia um mau ambiente dos selecionados para com o selecionador.  Nunca o futebol português teve tantos internacionais em tão pouco tempo. Não sou, nem poderia ser, contra a renovação. Entendo mesmo que ela se impõe e é necessária. Mas apenas em relação aos jogadores que atingiram uma idade em que perderam faculdades físicas e não podem, por isso, fazer prevalecer os seus recursos técnicos”.

Após 1966, o futebol em Portugal recuou mil anos no tempo. Simões percebeu antecipadamente o caminho que se começava a traçar. Raramente, nessa altura, um jogador assumia posições tão claras, tão contundentes. 

Tenho muitas memórias de António Simões. Desde que estivemos juntos no Europeu de 1996 a uma viagem de calor insuportável a Al Ain, nos Emirados Árabes Unidos, já na fronteira com o Omã. Irei ter, felizmente, muitas outras. Preferi, hoje, a recordação de uma forma de encarar a vida. E ele conclui: “Só sendo sérios podemos conservar e dignificar a nossa identidade. Tento fazê-lo comigo e com os outros”.

António Simões chegou aos 75 anos. Ah! Essa leviandade do tempo. Ainda há tão pouco o vi, no relvado da Luz, com a braçadeira de capitão. Capitão-Coragem.