Comunicar a ciência é um imperativo social. Demonstra o respeito para com os contribuintes que financiam o trabalho dos cientistas. É também a melhor forma de transmitir os valores civilizacionais da ciência e a importância da ciência e da tecnologia para o nosso dia–a-dia e para o futuro, assim como o prazer e o encanto da procura e da descoberta científica. Mas, como recentemente discutido num artigo publicado nos Proceedings da National Academy of Sciences [1], a comunicação de ciência é cada vez mais política, especialmente num mundo dominado por pós-verdades, por informação distorcida e enviesada e por políticas públicas definidas com base em informação não escrutinada ou não validada cientificamente.
Fazer comunicação de ciência com qualidade é muito complexo. Isto é óbvio quando o que se pretende transmitir são avanços, descobertas, conceitos ou tecnologias tão recentes que não existe ainda uma história definitiva para contar e os seus conceitos fundamentais não estão suficientemente vulgarizados para serem percecionados ou para se enquadrarem nas atividades mais genéricas de divulgação de ciência.
No ciclo de palestras sobre Comunicação de Ciência do Técnico, António Granado dava o exemplo da utilização da palavra internet nos artigos de jornal. Agora é comum a sua utilização mas, no inicio dos anos 90, a palavra (e o conceito) não estavam suficientemente disseminada para poder ser usada na comunicação com o grande público.
Encontrar as melhores analogias, identificar os aspetos mais relevantes e inspiradores e comunicar claramente é difícil e exige treino, reflexão e investimento, algo que muitos cientistas não estão disponíveis para fazer e que muitos até desvalorizam. Os média, na procura de mais facilmente fazer a ligação com os seus leitores, também incentivam muitas vezes a sobressimplificação, a aplicação imediata ou a descoberta bombástica. É assim comum lermos sobre tecnologias ainda embrionárias mas com impacto a curto prazo, avanços fundamentais que curam doenças ou novos Einsteins.
Existe ainda uma pressão das próprias instituições e dos cientistas, nem sempre por razões altruístas, para a comunicação desajustada. Ainda recentemente, o autor do podcast Quarenta e Cinco Graus, José Maria Pimentel [2], me questionava sobre um comunicado de imprensa que anunciava uma revolução sobre a matéria escura e a energia escura, um dos grandes desafios da física do séc. xxi. Para além de ser estranho que um artigo teórico com uma ideia já explorada por vários autores conseguisse tal feito, a forma como se apresentava o trabalho parecia pretender ultrapassar o natural escrutínio científico, tal como aconteceu com a polémica da “fusão a frio” no final dos anos 80. Ao contrário do filósofo Marshall McLuhan, “The medium is not the physics” e, sendo uma ciência experimental, a física resultará sempre da confrontação das teorias e das suas previsões com as medidas experimentais.
Estes desafios não devem, no entanto, diminuir os nossos esforços para comunicar, de preferência de forma cada vez mais clara, a ciência que fazemos. Mas é fundamental ir para lá destes objetivos iniciais. Como mencionado em [1] “(…) scientists must also develop online strategies to counteract campaigns of misinformation and disinformation that will inevitably follow the release of findings threatening to partisans on either end of the political spectrum”, ou seja, os cientistas devem desenvolver atividades mais proativas que desmontem os argumentos não científicos ou de autoridade que, com cada vez mais frequência, são utilizados, também em Portugal, no discurso público e nas decisões políticas.
Os média, em qualquer domínio de intervenção, devem consultar de forma mais intensa os cientistas e os académicos, porque serão as pessoas com mais informação e com o conhecimento mais estruturado dos temas. A sua disponibilidade poderá ser reduzida, mas há cada vez mais cientistas disponíveis para colaborar e excelentes comunicadores preparados para mais facilmente fazer a mediação.
Os cientistas devem estar disponíveis para participar, discutir e colaborar com os média, intervindo proativamente sempre que os assuntos toquem as suas especialidades ou quando a informação, os argumentos ou as decisões estejam claramente contaminados por evidências não científicas.
Os dirigentes académicos e científicos devem reconhecer e promover o trabalho daqueles que frequentemente interagem com os média, com os agentes sociais, económicos e políticos. O reconhecimento do impacto da ciência nas instituições deve ir para além das suas comunidades específicas e incluir o impacto da ciência e da tecnologia nos média, a sua influência nas políticas públicas e o seu impacto no debate social, económico e político.
Professor catedrático do Departamento de Física
Presidente do Conselho Científico do Instituto Superior Técnico
web: http://web.tecnico.ulisboa.pt/luis.silva/
twitter: @luis_os
[1] Shanto Iyengar and Douglas S. Massey, Scientific communication in a post-truth society, Proceedings of the National Academy of Sciences USA, advanced online publication, https://doi.org/10.1073/ pnas.1805868115
[2] https://quarentaecincograus.libsyn.com