Nelson Pinto, colete amarelo: “A única coisa a que tenho direito é a pagar”

Nelson Pinto, colete amarelo: “A única coisa a que tenho direito é a pagar”


Em 40 anos de vida em França, nunca antes este português tinha participado numa manifestação. Até ter vestido um colete amarelo 


“Tenho um furgão porque o meu ofício é reparar caldeiras – a gás e a gasóleo. No início do ano, fazia um depósito com 75 euros. Agora são 105. Todas as semanas o encho. São 30 euros de diferença.” Trinta euros que ao cabo de um mês hão de dar 120. O resto das contas é fácil fazer para Nelson Pinto. Um daqueles a que se chama remediados. “Sou um desses que ganham um bocadinho mais do que o salário mínimo.” Entre 1300 e 1400 euros líquidos por mês. “Estou numa situação em que não tenho direito a nada, a única coisa a que tenho direito é a pagar.”

E as contas foram chegando. Um aumento daqui, outro dali, rendimento igual. O de Nelson e o da mulher, que ganha a vida a cuidar de idosos. A decisão não teve então que ser tomada. Foi mesmo a vida, o desespero a que chegaram milhões de franceses que, cansados de verem o seu poder de compra diminuir a cada dia, saíram para as ruas num grito de uma revolta que Emmanuel Macron terá agora dificuldade em travar. 

No ano em que o Maio de 68 completa meio século, Paris – ontem também Bordéus, Marselha, Toulouse – são palco de uma onda de protestos e violência como os franceses não viam desde esse tempo. E que Nelson não viu. Nascido em Fafe, emigrou para França em 1976, 16 anos quase cumpridos. Foi uma vida inteira em Limoges, onde se instalou e criou raízes, uma vida inteira em que nunca tinha saído à rua para um protesto. 

Agora, convocado o primeiro, foi só dar conta à mulher do que tinha de ser feito. “No dia 17, fui dos primeiros a chegar à rotunda.” Uma das rotundas para onde tinham sido marcadas as concentrações em Limoges, uma cidade de 250 mil habitantes, 250 quilómetros para nordeste de Bordéus, na rota para Paris. “Estamos aqui num sítio magnífico para fazer parar a economia. Lutamos como podemos. Aqui, lutamos parando o trânsito.”

Mas o que leva alguém que em 40 anos nunca participou numa manifestação a sair à rua agora? Ao telefone, de Limoges para Lisboa, a resposta é simples: “Olhe, é muito simples: desde que este nosso presidente foi eleito, deixámos passar seis meses, oito meses, um ano. Todos os meses aparece mais uma taxa para isto, outra para aquilo. Agora foi mais um aumento de 7 cêntimos no gasóleo, mais 4 na gasolina. Aumentaram os impostos sobre as reformas, o salário mínimo estagnou…”

E Nelson quer contar-nos desse dia. “Era às 7h30, cheguei às 6h45. Por volta das 8h já éramos uns 50 ou 60, e foi aí que decidimos entrar a pé na autoestrada em direção a Toulouse.” Depois de na semana que passou ter vindo a notícia de um recuo no aumento do imposto sobre os combustíveis, vem com um certo orgulho isto. “Tenho ido mesmo durante a semana. Já perdi uns cinco dias de trabalho, mas tínhamos mesmo que mostrar que não vamos resignar-nos.”

Depois daquele dia não houve mais volta, e não só aos sábados, o dia para o qual todas as semanas têm sido convocados os grandes protestos. A 17 de novembro, 282 mil manifestantes. A 24, 166 mil. No primeiro dia de dezembro tinham já caído para 136 mil e ontem foram ainda menos, por toda a França. Mas se em Paris a contestação não foi tão forte quanto se esperava, com bairros até como o Marais fechados por questões de segurança e recomendações para que se ficasse em casa, nas cidades do sul a contestação só aumentou. E com ela as imagens de violência. 

Mas dessa história nem Nelson nem os seus colegas de luta querem fazer parte. “A nossa manifestação é pacífica”, sublinha. “A violência vem de… não diria de anarquistas, mas de pessoas que chegam depois para destruir tudo. Para vandalizar e para roubar.” E conta o que foi o dia de ontem na A20, que liga Limoges a Toulouse: “Bloqueámos durante cinco ou seis horas uns 200 camiões. Às seis da tarde, que aqui já são mesmo noite, a polícia de choque chegou. Estavam já a preparar-se mas fui lá ter com eles, que eles já me conhecem, e disse ‘não vale a pena equiparem-se, podem tirar, que a gente sai. E saímos”, sorri. “Não é confronto o que queremos. Agora o Macron vai falar porque houve confrontos em Paris e noutras cidades. Se o nosso presidente fosse inteligente, ele que estudou em tão boas escolas, tinha visto que se tivesse recuado antes as pessoas tinham voltado para casa.”

Como o resto dos franceses, Nelson vai passar o dia de hoje à espera, na expectativa. “Estamos à espera que fale mas com palavras que o povo possa compreender, não com palavras esdrúxulas. Diz-se por aí ‘Macron Démission’ mas… não sei. Não votei nele, mas não temos mais ninguém agora.”