Lá fora os motins nas prisões são mais frequentes e mais críticos

Lá fora os motins nas prisões são mais frequentes e mais críticos


Falta de condições nas prisões e greves dos guardas prisionais estão entre as causas mais comuns de motins. As prisões em Inglaterra e País de Gales são as mais violentas da Europa ocidental.


O ano de 2018 ainda não terminou e já foram registados casos de revoltas em prisões um pouco por todo o mundo. Da Europa à América, sem esquecer o continente africano, os reclusos usam quase sempre a mesma técnica. Começam por sequestrar guardas, incendiar colchões, ou caixotes do lixo – é permitido fumar dentro do espaço prisional e, por isso, têm acesso a isqueiros e fósforos.

Os casos mais recentes, e também mais graves, têm carimbo venezuelano. O facto de os estabelecimentos prisionais naquele país estarem sobrelotadas potenciam os motins. No final de março, um motim seguido de incêndio provocou a morte de pelo menos 68 pessoas, no segundo incidente mais grave dos últimos 25 anos. A sede da polícia regional do estado venezuelano de Carabobo, em Valência, foi o palco da revolta. A história começou quando um grupo de reclusos capturou um guarda prisional e fez dele refém. O líder dos amotinados apresentou às autoridades uma série de exigências para soltar o guarda. Face ao silêncio da polícia, os amotinados decidiram queimar os colchões, acabando por incendiar todo o edifício. A falta de condições foi a principal causa apontada para o início do motim que terá começado após uma tentativa falhada de fuga de alguns presos.

A sobrelotação dos estabelecimentos prisionais e a falta de segurança abrem portas aos motins. Na Venezuela, onde praticamente cada esquadra é uma , cerca de 45 mil prisioneiros distribuem-se por 500 esquadras, que fazem as vezes de pequenas prisões sem condições mínimas de segurança.

Mas as causas não ficam por aqui. Em maio deste ano e ainda em território venezuelano, os membros da oposição ao governo que se encontravam detidos participaram num motim descrito como “pacífico” num centro de detenção dos serviços secretos venezuelanos, na capital do país, Caracas. Exigiam a libertação dos presos políticos e defendiam que “nenhum venezuelano deve ser detido por causa das suas opiniões”. Ao mesmo tempo, no norte do país morriam 11 pessoas e 28 ficaram feridas. A grave crise económica e social, bem como as fortes tensões políticas, estiveram na origem do motim.

Passando a fronteira, chegamos ao Brasil, país onde os episódios trágicos vividos dentro das prisões parecem não ter fim. Em janeiro de 2017, assistiu a um dos piores cenários da sua história prisional com homicídios em prisões dos Estados do Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte, que provocaram no total mais de 130 mortos. O pior massacre teve lugar no complexo prisional Anísio Jobim, na cidade amazónica de Manaus, onde 56 presos morreram numa luta entre grupos rivais. Os episódios demonstraram na altura a insegurança, sobrelotação e más condições do sistema penitenciário brasileiro.

 

Fuga das prisões

É relativamente comum os detidos aproveitarem a falta de guardas prisionais para destabilizar pavilhões e fugir. Foi o que aconteceu no Brasil nos primeiros dias de 2018. Um motim na região metropolitana de Goiânia, capital do estado brasileiro de Goiás, levou à morte de nove pessoas. Tudo aconteceu quando um grupo de reclusos em regime semiaberto invadiu um pavilhão do complexo prisional, onde se encontravam detidos membros de um grupo rival, e incendiou as instalações. No momento do incidente estavam de serviço apenas cinco guardas para cerca de 900 presos. O pavilhão do complexo prisional foi construído para albergar 122 detidos e tinha naquele dia 423. A confusão acabou por permitir a fuga de 106 reclusos.

 

Os guardas também morrem

O último caso chega do Tajiquistão, perto da fronteira com o Afeganistão, numa prisão de alta segurança que acolhe reclusos condenados por crimes como homicídio ou terrorismo. No início do mês passado, os reclusos estavam armados com objetos afiados que obtiveram no interior da prisão e tencionavam escapar para se juntarem ao grupo extremista do Estado Islâmico. O motim provocou a morte de vinte reclusos e dois guardas.

Quando se fazem as contas ao número de guardas mortos, o Brasil não fica fora da equação. Durante uma tentativa de fuga de uma prisão na região de Belém, capital do estado do Pará, no norte do país, pelo menos 20 pessoas morreram, entre elas um guarda prisional.

 

Violência em terreno europeu

De acordo com a Associação de Oficiais Penitenciários, os oficiais das prisões de Inglaterra e País de Gales estão neste momento a operar no “local de trabalho mais violento e hostil da Europa ocidental”. Esta análise surge depois de seis guardas pedirem tratamento hospitalar na sequência de um motim numa prisão inglesa. No mês passado, uma rebelião na prisão de Worcestershire resultou em lesões faciais, um braço fraturado e ferimentos na cabeça – acabando os guardas por darem entrada no hospital para tratamento. Quanto aos responsáveis pelo motim, sete prisioneiros foram colocados em isolamento para serem transferidos para outra prisão. A Associação de Oficiais Penitenciários destacou as condições “intoleráveis” nas prisões, já que o número de oficiais não é suficiente para o número de presos.

Neste cenário, segundo as estatísticas penais do Conselho da Europa, Inglaterra e País de Gales têm a maior taxa de reclusos da Europa ocidental, com 148,3 presos por cada mil habitantes, em comparação com França (98,3) e Alemanha (77,4).

Mais perto de nós, no sul de França, os guardas prisionais da quarta maior prisão francesa, em Fleury-Mérogis, e a polícia anti-motim entraram em confrontos em janeiro de 2018. Tudo porque cerca de 150 guardas estavam em greve à porta do estabelecimento prisional devido à falta de condições de trabalho. Dias antes, 120 presos recusaram voltar para as respetivas celas e a administração prisional foi obrigada a pedir equipas de intervenção especiais. Noutro caso, um prisioneiro, ex-líder da Al-Qaeda, atacou três guardas prisionais com tesouras e lâminas de barbear numa prisão de alta segurança no norte de França. A juntar ao cenário, dois guardas foram atacados por prisioneiros na prisão de Borgo, na Córsega. O acumular de acontecimentos trágicos levou à greve quase total dos funcionários prisionais franceses, que deu mais liberdade para novos motins.