A morte presumida da democracia representativa tem destas coisas. Muitos se alegraram com a natureza instantânea da fórmula Macron, que começou com um spot de vídeo disponível no YouTube, propagandeando o movimento “En marche” com as mesmas imagens e frases que poderiam ser utilizadas para vender serviços bancários, um carro ou um champô. O desamor dos franceses aos partidos tradicionais e a uma classe política desacreditada fez o resto. Louvou- -se a dimensão inorgânica do movimento, as redes sociais, a criação de uma nova classe política com recurso a empresas de recrutamento profissional, fecharam-se os olhos aos transvias que rapidamente migraram dos partidos políticos tradicionais para a equipa dos marchantes capitaneada por Macron. Um ano e meio depois, a República em marcha passou a República em corrida, com os CRS à frente, vítima de um descontentamento crescente que se expressa pela via inorgânica. É difícil negociar com uma multidão de manifestantes, com 75% de apoio por parte da população. A morte presumida da democracia representativa é capaz de ter criado algumas dificuldades…
No país do lado continua a erosão dos partidos tradicionais: primeiro à esquerda com o Podemos, depois no centro- -direita com os Ciudadanos, agora na extrema-direita com o Vox. Não se julgue que a Andaluzia, com uma população e uma área quase equivalentes às portuguesas, amanheceu no passado domingo possuída por uma febre franquista que tomou 11% da população. Desde 1975 que há gente saudosa do caudilho mas, até hoje, tinham encontrado no PP e seus antecedentes a voz que lhes permitia votar tranquilamente. A excepção foi a presença solitária de Blas Piñar no Congresso dos Deputados de 1979 a 1982, quando não conseguiu ser reeleito. A sua curta passagem pelo parlamento permitiu a oposição firme a todos e cada um dos estatutos autonómicos.
Não há uma explicação linear para os resultados das eleições andaluzas. Para engordar os quase 400 mil votos obtidos pelo Vox contam três factores. Em primeiro lugar, há um enorme cansaço causado pelos quase 40 anos de governos do PSOE (mesmo quando o PP ganhou as eleições em 2012, não conseguiu governar) e pela fortíssima corrupção que, à semelhança do PP noutras comunidades autónomas, promoveu e tolerou (a comparação com a punição eleitoral do brasileiro PT é mais do que justificada). Em segundo lugar, conta uma reacção aos excessos autonomistas na Catalunha tolerados pelos partidos tradicionais: o voto no Vox surge como um voto pela Espanha unitária. Finalmente, conta como causa eficiente a reacção aos desembarques de migrantes e ao crescente número de marroquinos e subsarianos que trabalham na agricultura intensiva (o Vox teve os seus melhores resultados em Almería e, em particular, em El Ejido).
A sangria de votos no PSOE (-400 000), somada ao resultado pífio da coligação Podemos/Isquierda Unida, não permite uma maioria absoluta à esquerda. Já a dispersão de votos pelos novos partidos obrigaria a uma coligação entre PP, Ciudadanos e Vox para chegar ao governo andaluz. A esquerda clama por um cordão sanitário, PP e Ciudadanos pretendem normalizar o Vox por via do abraço do urso. A vacina da passagem pelo governo tende a fazer desaparecer o eleitorado dos partidos de protesto. Como se tem visto em Portugal, para que o protesto seja incoerente nem é preciso ir para o governo, basta o apoio parlamentar.
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990