O sistema jurídico constitui-se na malha regulatória dos modos como se apresenta expetável que indivíduos e instituições se relacionem e digladiem face aos interesses setoriais decorrentes da vida em sociedade.
São definidas regras de funcionamento, assim como normas específicas de excecionalidade funcional e de resolução de conflitos e instituídos agentes que detêm competência específica para vigiar, punir, e defender o funcionamento normativo, no sentido de assegurar a legalidade no decurso das interações.
Existem assim atores que não obstante se insiram na trama relacional, se constituem em elementos de referência para a assunção da integridade do sistema.
O livre arbítrio contrário ao prescrito na lei constitui uma intentona da fraude sobre a integridade do sistema. O exercício do direito apenas se encontra legitimado se balizado na lei, nas suas prescrições e normas de regulação e resolução de quadros regulares e excecionais.
De modo a evitar a fraude impõe-se que tais resoluções de excecionalidade face ao normal, regular e expetável funcionamento do sistema, sejam fundamentadas na admissibilidade prevista na lei face às contingências impostas pela realidade. Cabe à entidade reguladora e responsável pela defesa da legalidade, que não subverta e não permita a subversão do prescrito de forma arbitrária, sem fundamentação, desprovida de racionalidade, lógica e razoabilidade, sob o risco de paulatinamente a legitimidade sob a qual assenta a sua competência, se erodir e se descredibilizar.
Mesmo quando determinado quadro normativo não preveja um mecanismo sancionatório face às violações do prescrito, importa que os agentes responsáveis por tais violações normativas sejam, de modo fundamentado, responsabilizados pela estrutura hierárquica da qual dependem ou daquela que regula ou superintende a sua atividade, no limite e não existindo outro mecanismo, através do direito disciplinar.
Compactuar, sob uma capa de aparente legitimação, fraudulenta, com decisões contra legem constitui claramente uma violação de deveres éticos e de prescrições normativas disciplinares.
A miude vão surgindo notícias reveladoras e, de certo modo, indiciadoras, de que o funcionamento do sistema de organização da investigação criminal, assente sob o princípio da especialidade, enquanto arquétipo de racionalidade, cooperação, e gestão da economia dos recursos das instituições que dele fazem parte, se tem constituído em alimento para a fraude; a fraude no funcionamento dos sistemas, contra legem, e sem a necessária fundamentação de excecionalidade.
A organização da investigação criminal constitui um claro exemplo de como um sistema tão relevante e vital para a produção de justiça e de segurança na sociedade portuguesa se pode encontrar à mercê de decisões unilaterais que de forma despudorada, irreverente e irresponsável ignoram os mecanismos existentes no sistema de resolução de conflitos de competência, de coordenação, e de colaboração.
A fraude neste âmbito, adquire esse efeito baço sobre um espelho que todos os dias nos é útil para sabermos quem somos, como estamos, e que fundamentalmente nos prepara, para o que queremos ser.