Os presidentes de junta de freguesia são dos únicos cargos eleitos a quem a lei não exige a apresentação ao Tribunal Constitucional da declaração de rendimentos. Além disso, a única entidade que fiscaliza a gestão administrativa e financeira das 3.091 juntas de freguesia do país é o Tribunal de Contas.
Há quase três anos que o parlamento está a discutir, na comissão da Transparência, a alteração à lei mas ainda não há consenso neste assunto, sendo que os partidos terão de concluir os trabalhos até março de 2019.
Um cenário que tanto o atual presidente como o ex-presidente da Transparência e Integridade Associação Cívica (TIAC) consideram “inaceitável”, alertando para o risco de “favorecimento e corrupção” nas juntas de freguesia, no seguimento de algumas investigações vindas a público em Lisboa.
Apesar de as juntas de freguesia, sobretudo as que ficam em grandes cidades, gerirem orçamentos que podem ascender aos cinco milhões de euros, a lei em vigor do Controle Público da Riqueza dos Titulares de Cargos Políticos exige que todos os cargos políticos eleitos, à exceção dos presidentes de junta, entreguem uma declaração de rendimentos. A acompanhar a exceção dos presidentes de junta estão os presidentes das assembleias de junta.
A lei, que foi desenhada em 1983, já sofreu cinco alterações, mas até hoje os presidentes de junta não foram incluídos na lista de cargos políticos a quem, quando tomam posse, é exigido um escrutínio dos rendimentos. Entre o elenco sujeito a escrutínio de rendimentos encontram-se, por exemplo, o Presidente da República, o presidente da Assembleia da República, o primeiro-ministro, os ministros, os deputados, deputados do Parlamento Europeu, os membros do Tribunal Constitucional, o presidente e os vereadores das câmaras municipais e até mesmo os gestores públicos ou membros dos órgãos diretivos dos institutos públicos.
“É inaceitável, sobretudo em grandes cidades como Lisboa, onde uma junta de freguesia tem um orçamento maior do que algumas cidades”, consideram em uníssono João Paulo Batalha, presidente, e Luís de Sousa, ex-presidente do TIAC, para quem os presidentes de junta “já deveriam ter sido escrutinados há muito tempo”, tanto nos rendimentos como nos interesses.
Para Luís de Sousa “não faz sentido” que a lei continue como está “sobretudo em juntas com uma determinada escala, que têm orçamentos com valores avultados e com presidentes a acumular cargos com os de deputado”, salienta.
Poucas entidades para fiscalizar Num contexto em que as competências das juntas são cada vez maiores e os orçamentos estão a crescer, há cada vez menos escrutínio nas freguesias: desde 2011 que a única entidade a fiscalizar as contas destes organismos do Estado é o Tribunal de Contas. Nesse ano, através do Plano de Redução e Melhoria da Administração Central (PREMAC) o anterior governo, liderado por Passos Coelho, decidiu extinguir a entidade responsável pela vigia das contas do poder local, incluindo as juntas: a Inspeção Geral da Administração Local (IGAL), que foi fundida com a Inspeção Geral das Finanças.
E é com este retrato que os dois especialistas em Transparência e Integridade apontam ao i que “é impossível” ao Tribunal de Contas conseguir fiscalizar todas as juntas de freguesia, que “todos os dias fazem contratações públicas” de funcionários ou de empresas, para fornecerem serviços ou produtos.
Tudo isto leva a que estejam “abertas as portas para eventuais situações de abuso, de favorecimento e de corrupção”, alerta João Paulo Batalha.
Também em 2011, com o fim da IGAL, o juiz desembargador Orlando dos Santos Nascimento, que desempenhava as funções de inspetor-geral, escreveu uma carta a referir que com a extinção deste organismo “a corrupção ganhou”.
Entre as 3.091 juntas de freguesia do país, nos últimos cinco anos, o Tribunal de Contas disse ao i que “foram instaurados 63 processos de responsabilidade financeira”, dos quais “20 resultaram em condenações” havendo ainda “dez sem decisão”.
propostas do parlamento Desde 2016 que os partidos têm vindo a debater a alteração à lei, sendo a intenção do parlamento apertar o escrutínio dos cargos públicos e políticos, através de uma Entidade da Transparência, que responderá ao Tribunal Constitucional, que nomeará três dirigentes. Este novo organismo funcionará como uma espécie de polícia dos rendimentos e interesses dos políticos e detentores de altos cargos públicos.
Todos os partidos, à exceção do PCP, apresentaram propostas sobre o tema. O único ponto de consenso entre os partidos é que os presidentes de câmara passem a exercer funções em regime de exclusividade.
Sobre o escrutínio dos presidentes das juntas, em traços gerais, o PS quer que apenas os líderes das freguesias com mais de dez mil eleitores tenham de entregar à Entidade da Transparência a sua declaração de rendimentos. Já o Bloco de Esquerda e o CDS querem aplicar a regra a todos os presidentes de junta do país. Mas a deputada centrista Vânia Dias da Silva diz que o partido pode vir a concordar com o critério apresentado pelo PS e aplicar a medida apenas aos presidentes com mais de dez mil eleitores.
O PSD quer aplicar esta medida apenas aos presidentes de câmara, mas também os sociais-democratas podem vir a aprovar o critério apresentado pelo PS. Isto porque, explicou o i o deputado social democrata José Silvano, “dois terços das juntas não têm rendimentos nem orçamentos, além da subvenção que recebem para pagarem os vencimentos”. Por isso, os sociais-democratas consideram que “se todos os presidentes de junta entregassem a declaração de rendimentos a entidade não teria capacidade para fiscalizar”.
Propostas “pouco eficazes” Os dois especialistas em Transparência e Integridade não estão otimistas quanto à eficácia da nova lei. João Paulo Batalha considera que “aquilo que está nas propostas configura mais um órgão burocrático sem capacidade efetiva de fiscalização, quer de cruzamento de dados – para identificar padrões de comportamento ou padrões de relações que podem configurar eventuais conflitos de interesses ou de promiscuidade, infratores ou de favorecimento – quer em termos de condições para avaliar situações que podem ser legais, mas violam princípios éticos”.
Ou seja, “não será um órgão de fiscalização de má conduta ética” e se for criado “com o figurino que está a ser discutido vai ser muito ineficaz e vai ser outra oportunidade perdida”.
Opinião partilhada por Luís de Sousa, para quem a proposta do BE, que quer criar a Entidade de Transparência, “é muito bem intencionada, mas foi formatada à imagem e semelhança de um órgão que é inócuo que é a Entidade das Contas, que não tem condições para fiscalizar”. Para os dois especialistas só com outros mecanismos de controlo e de supervisão que não sejam muito onerosos para as entidades será conseguida uma maior eficácia na fiscalização.