Privatize-se o urbanismo!


Em Lisboa, a privatização do planeamento tem vindo a ser o método preferencial de construção de cidade.Mas os interesses financeiros privados raramente são coincidentes com o bem comum e o interesse público


Não sou, de uma forma cega, contra a venda de património público. Ela pode ser um acto de gestão e, inclusivamente, favorável à coesão territorial e ao bem comum.

Mas não tenhamos dúvidas que grande parte das operações de venda de património público – solo ou edificado – e/ou concessão – edificado ou espaço público – resultam de opções ideológicas que nos dizem que se deve transformar em valor ou renda o que é de todos. Do ponto de vista técnico e científico, os seus resultados não são conhecidos por favorecerem o bem comum.

Em Lisboa, esta privatização do planeamento tem vindo a ser o método preferencial de construção de cidade. Sustenta-se na ideia que as principais operações urbanísticas têm de estar vinculadas a agentes financeiros privados, replicando modelos dos anos 80 e 90. A este processo acelerado que sucede em Lisboa, e que encontra expressões semelhantes em autarquias geridas por todos os partidos, tenho vindo a denominar de tardoliberalismo.

Longe de ser uma fórmula com bons resultados noutras cidades e noutras épocas, os interesses financeiros privados raramente são coincidentes com o bem comum e o interesse público, a sua aplicação tem vindo a ser defendida como um dogma exactamente nos mesmos termos dos que defendem a privatização de todas as empresas públicas para que prestem melhor serviço público. Ao invés, modelos de construção de cidade participada, que rejeitam a alienação de património público estruturante e que retiram a tralha e as ruínas resultantes da privatização do espaço público que foi sendo regra no urbanismo do fim do séc. XX, vão despontando por toda a Europa.

Lisboa vive tempos inquietos. O chumbo popular da solução proposta pelo município para o Martins Moniz é um exemplo interessante, mas escasso. Ainda que o tardoliberalismo encare a participação cidadã como um procedimento esdrúxulo para o sucesso do processo de construção de cidade, sofreu uma clara derrota. No dia da apresentação pública, nenhum cidadão apoiou a concessão e o gradeamento da praça. Mesmo assim, o vereador Manuel Salgado saiu da sessão sem assumir o fim do seu projecto.

Contudo é bom que tenhamos consciência que a força popular alcançada na rejeição do avanço na privatização do Martim Moniz, não derrota nem atrasa a verve privatizadora que prolifera por toda a cidade. Mais, até há as que, pela degradação a que os espaços públicos foram sujeitos ao longo de muitos anos ou pela construção de medos e inseguranças, encontram algum respaldo em moradores sendo fulcral esclarecer que esta forma de construir cidade é uma resposta, em primeiro lugar, a um interesse privado e que as suas soluções, mais cedo do que tarde, colocarão em causa a permanência e usufruto desses territórios pelos mesmos moradores.

Como esta semana foi aprovado atribuir o nome de Largo José Saramago ao Campo das Cebolas, sugiro que se inscreva naquele espaço público o famoso poema de sua autoria escrito em 1996: “Privatize-se tudo!”

 

Escreve à segunda-feira