Pelo eleitorado do mundo ocidental reina um sentimento generalizado de orfandade. Cristo morreu, Marx também e os partidos políticos não se sentem nada bem. A alternância entre o centro esquerda e o centro direita, num contexto de crise financeira internacional, de crescimento económico débil e de implosão do Estado social, comprimiu excessivamente a margem de escolha entre as diversas políticas. O eleitorado, esporeado por velhos truques de mau marketing político, cansou-se do exercício de miopia em torno do “descubra as diferenças”.
Os perigos da orfandade eleitoral são muitos e conhecidos. O primeiro resulta no aumento da abstenção, o partido mais votado há muitos anos e com resultados crescentes de eleição para eleição. Com os partidos tradicionais em queda e a abstenção em alta, o espaço político cobiçado pelos extremos torna-se mais fácil de conquistar. Os movimentos populistas e nacionalistas recuperam à direita os discursos anti-globalização, anti-capitalismo, anti-imigração, a favor da autarcia económica e do fecho de fronteiras, discursos que em grande medida preencheram no pós segunda guerra mundial, a vulgata da extrema esquerda. Correndo atrás do mesmo discurso, muitos eleitores migraram directamente da extrema esquerda para a extrema direita nacionalista e populista. Vale por todos o exemplo do eleitorado francês cujos ex-proletários vítimas do fecho das indústrias passaram directamente do PCF para o Front National, sem estados de alma intermédios. No Reino Unido o eleitorado blue-collar, activo, desempregado ou reformado, vota actualmente nos Tories e não no Labour, o que explica muitos dos episódios da saga do Brexit.
O eleitorado órfão pode também ser disputado por outros discursos políticos que não os populistas. Pela Alemanha, onde os dois partidos tradicionais (CDU/CSU e SPD) vão mirrando de eleição para eleição, o segundo partido com maiores intenções de voto nas mais recentes sondagens (logo a seguir à CDU-CSU) só chegou ao Bundestag em 1983 e ao governo em 1998 (em coligação com o SPD). Os Verdes alemães são neste momento o refúgio de um número significativo de eleitores cansados da insignificância do SPD, assustados com a possibilidade de a nova liderança da CDU (a eleger já a 8 de Dezembro) querer competir em populismo com a Alternativ für Deutschland, sem fé no ressuscitar dos Liberais e ainda com menos fé no Die Linke. Os Verdes coevos são da escola realista (os Realos que ganharam o partido aos fundamentalistas ainda nos anos 90, vencendo os Fundis, os fundamentalistas da esquerda ecologista), representada por Joshka Fisher, cujos editoriais na imprensa internacional se tornaram respeitáveis e são citados pelo “Financial Times”. O actual programa político dos Verdes inclui soluções concretas e razoáveis para as alterações climáticas, para mitigar a excessiva dependência dos combustíveis fósseis e reforçar o transporte público, garantindo o papel do Estado regulador na actividade económica e na protecção da família e dos trabalhadores, admitindo a imigração controlada e apostando do aprofundamento da União Europeia (com as componentes de política externa e de segurança e defesa). A possibilidade de os Verdes integrarem o próximo governo federal quer à esquerda quer à direita (já governam nalguns länder com a CDU) é uma boa notícia para a Europa.
Já pela Lusitânia os órfãos políticos têm menos possibilidades de escolha…
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990