Haddad: “A reforma política foi o nosso maior problema”

Haddad: “A reforma política foi o nosso maior problema”


O candidato derrotado à presidência do Brasil deu uma entrevista à “Folha de S. Paulo” onde fala do “fenómeno evangélico” e sobre como isso ditou a vitória de Jair Bolsonaro


"Há estudos mostrando, se eu tivesse no mundo evangélico o mesmo percentual de votos que tive no mundo não evangélico, eu teria ganho a eleição", garante Fernando Haddad, o candidato do PT à presidência do Brasil. derrotado por Jair Bolsonaro na segunda volta das eleições a 28 de outubro.

Em entrevista à "Folha de S. Paulo", Haddad refere que no Brasil "há um fenómeno evangélico sobre o qual temos que nos debruçar" e que influenciou o resultado da eleição presidencial.

"O Brasil, estruturalmente, é um híbrido entre casta e meritocracia. Se admite que o indivíduo ascenda, mas sozinho. Desde que a distância entre as classes permaneça. O neopentecostalismo e a teologia da prosperidade são compatíveis com isso", explica o antigo ministro da Educação de Lula da Silva.

Haddad diz que a esquerda brasileira "tem agora o desafio de abrir um canal com a igreja evangélica, respeitando as suas crenças"

Reconhecendo que o PT foi incapaz de fazer uma reforma política e que foi isso que acabou por fazer crescer o antipetismo e levou à derrota nas últimas eleições presidenciais – "a reforma política foi o nosso maior problema" -, o ex-prefeiro de São Paulo sublinha que, mesmo assim, "depois de tudo o que aconteceu", o PT quase conseguiu ganhar a quinta eleição presidencial consecutiva: "Com Lula venceríamos".

Garantindo que a subida da extrema-direita não o surpreendeu, o que o surpreendeu foi que fosse Bolsonaro e não João Dória (o atual governador de São Paulo) a liderar esse campo, Haddad explica que no Brasil está em gestação um "neoliberalismo regressivo, decorrente da crise económica". Bem diferente do neoliberalismo dos anos 1990 que tomou conta da América Latina, porque "chega a ser obscurantista em determinados momentos, contra as artes, a escola laica, os direitos civis".

Para o candidato do PT, a agenda económica de Bolsonaro – "que é a agenda de [Michel] Temer radicalizada" – precisa desse obscurantismo, dessa "agenda cultural regressiva", contra a ideologia de género e a favor da escola sem partido, para prolongar o seu prazo de validade.

Questionado sobre se acha Bolsonaro uma ameaça à democracia, Haddad cita os "sistemas híbridos" de Boaventura Sousa Santos para dizer que há um "autoritarismo a crescer por dentro" das instituições. Resta saber se os pesos e contrapesos da democracia brasileira vão conseguir que esse autoritarismo se instale definitivamente.