Angola não é nossa


Muitos portugueses ainda olham para Angola como se os laços históricos lhes dessem privilégios que não têm. Portugal é só mais um parceiro económico e João Lourenço quer que isso fique claro


Espanhóis, alemães, franceses, norte-americanos – a diplomacia económica de João Lourenço tem um espaço para Portugal, mas não é nem o maior nem está no centro. Daí que, irritantes à parte, o presidente de Angola tenha passado por outras capitais antes de chegar a Lisboa.

Claro que o governo angolano quer os portugueses a investir – na conferência de imprensa de sábado permitiu-se até pedir às empresas para irem “em força” para Angola, expressão que disse não gostar, por causa das implicações históricas, mas que não deixou de usar e propositadamente.

No ambiente de negócios que antes existia, os portugueses tinham maior importância porque se sentiam bem a jogar com as regras e as parcerias obrigatórias com empresários locais funcionavam melhor por questões de língua e cultura similares. Ao melhorar o ambiente de negócios, ao acabar com essa obrigatoriedade do sócio local, ao definir melhor as regras de investimento, o governo de João Lourenço quer atrair outro tipo de investidor, com maior capacidade financeira e acesso mais fácil ao crédito internacional.

Em setembro, nos Estados Unidos, o presidente angolano tentou atrair empresários para a gestão do novo aeroporto de Luanda, para a construção do porto da Barra do Dande, para a nova licença de telefonia móvel. A semana passada, no Porto, João Lourenço pediu aos empresários presentes que reorientem a sua estratégia de investimento, que “não se restrinja apenas ao comércio”; mencionou sectores-chave da economia como a agricultura, a indústria e o turismo, mas não fez referência aos grandes investimentos especificados nos EUA.

O economista Alves da Rocha, na entrevista ao “Público”, colocou as coisas de forma clara e franca: “O ponto essencial para mim é que Portugal dificilmente voltará a ser um protagonista importante em Angola. Há países muito interessados em aprofundar a cooperação económica e financeira com Angola e que dispõem de muito mais recursos.”

Na referida conferência de imprensa que marcou o final da sua visita oficial a Portugal, João Lourenço disse duas coisas essenciais sobre o que a “nova Angola” pretende dos empresários portugueses: pretende vê-los a ir para Angola e “em força” e que sejam “sobretudo os empresários das pequenas e médias empresas”.

O “em força” tem razão de ser porque, retirando a urticária que a expressão causa devido a quem historicamente a proferiu e em que contexto, faz sentido, porque o que a Angola de João Lourenço quer é que os portugueses invistam a longo prazo no país e que invistam para lá de Luanda, que se aventurem a criar empresas e empregos noutras províncias. Aí, as afinidades históricas fazem sentido, o empresariado português, por razões sentimentais, por razões históricas, terá mais aptidão para investir em regiões menos atrativas para um empresário francês ou norte-americano para quem Angola é pesada apenas como oportunidade de negócio.

E, logicamente, esse tipo de investimento será importante pela localização e nunca pela dimensão, e será sempre das pequenas e médias empresas, de muitas. Os grandes investimentos fazem entrar muito dinheiro na economia, mas são os pequenos e médios investimentos, multiplicados por milhares de empresas, que realmente desenvolvem e mantêm o tecido económico de um país.

A diversificação económica de Angola foi expressão muito usada nos últimos anos do governo de José Eduardo dos Santos, embora entre as palavras e a concretização efetiva dessa vontade se mantivesse sempre uma enorme distância e o país continuasse a depender em grande medida das importações, mesmo as alimentares. Sem dinheiro para continuar a pagar essas importações e com necessidade de aumentar as suas reservas e o dinheiro a circular na economia, a diversificação passou a ser condição de sobrevivência: produzir mais e comprar menos. Essa é a vontade estratégica do futuro próximo em Angola.

Como tal, Angola precisa de investidores e não de vendedores, como João Lourenço enfatizou sempre na sua primeira visita oficial a Portugal, a terceira de Estado de um presidente em 43 anos de independência de Angola. Um mote sublinhado logo na entrevista ao “Expresso”: “Vamos procurar cativar os investidores privados portugueses em todas as áreas onde for possível. Ali onde os investidores portugueses entenderem que podem ganhar dinheiro e deixar bens e serviços, nós agradecemos. Mas estou a referir-me a investidores e não a comerciantes, não aqueles que queiram apenas vender coisas a Angola.”

Na “nova Angola” de João Lourenço, na sua diplomacia económica, percebe-se que há um espaço para os portugueses, para os empresários portugueses, para o investimento português. Será um espaço importante, só que nunca será o mais importante nem dos mais importantes. E por mais que as empresas portuguesas partam “em força”, Angola continuará a ser dos angolanos. Que isso não se confunda.