Trabalhar numa pedreira em Borba é como “trabalhar num escritório em Lisboa”, diz Manuel enquanto vê os carros passar em frente à Câmara Municipal. Na zona existem cerca de 180 pedreiras, sem contar com as abandonadas. “Na altura, com 17 anos, toda a gente ia trabalhar para as pedreiras, era onde se ganhava mais e também não havia mais nada”, conta. As pedreiras marcaram-no para o resto da vida. Agora, reformado há 12 anos, conta histórias, e quase todas na primeira pessoa. “Estava na hora de almoço e aquilo nem era trabalho meu. Estava a ligar umas pedras para irem para cima na grua, mas um dos blocos tinha um canto estalado. Acabei de ligar os blocos, fiz sinal e virei as costas. O bocado que estava estalado partiu e bateu-me na cabeça. Pesava uns vinte quilos”, recorda, enquanto mostra as cicatrizes que as pedras lhe deixaram no corpo.
“Tem morrido muita gente, uns com pedras na cabeça, outros que caíram nas máquinas, é arriscado”. Só em 2016, os dados disponibilizados pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento revelam 448 casos de acidentes de trabalho nas indústrias extrativas, que incluem pedreiras, minas a céu aberto e construção – mais 100 do que em 2015. Aos acidentes de trabalho somam-se quatro mortes no período de doze meses. E, a este propósito, somam-se também as histórias do senhor Manuel: “Lembro-me de um rapaz que até era meu parente e morreu já há muitos anos. Estava a puxar uma pedra e o rapaz ainda disse ao mestre “não vai” e o mestre disse “vai, vai, mete lá outra”. Ele meteu, o cabo partiu e levou com a pedra na cabeça”.
Ao longo do tempo, o número de pessoas que se dedicam à extração do mármore diminuiu. Quando Manuel trabalhava nas pedreiras havia cerca de 30 operários em cada uma. Hoje, percorrendo as pedreiras de Borba, Vila Viçosa, ou Bencatel, o número de trabalhadores não ultrapassa os 10. “A maior parte fechou, umas porque não tinham qualidade, outras porque não aguentaram”, diz Manuel.
Passo a passo O acidente ocorrido no início da semana é motivo de espanto para poucos, até porque quem queria deslocar-se entre Borba e Vila Viçosa utilizava a estrada municipal 255. Agora já não há estrada e, provavelmente, nunca mais haverá. A estrada variante, que antes era só uma alternativa, é agora a única solução. “Se passava lá? Então, a vida toda”, refere Manuel. Mas na segunda-feira não foi só a segurança dos trabalhadores que foi posta em causa, foi também a dos utilizadores da antiga nacional 255.
As operações de busca continuaram durante o dia de ontem reforçadas por mais uma bomba de drenagem. Retirar a água é fundamental para conseguir chegar aos corpos que estão desde segunda-feira sob as pedras. Segundo informou José Ribeiro, comandante distrital das operações de Évora, a Marinha entrou em cena para “uma ação de busca e reconhecimento do fundo da pedreira”. Esta intervenção usou um submarino com controlo remoto que permitiu mergulhar até aos 40 metros de profundidade. No entanto, importa referir que o veículo nunca foi utilizado em condições como as das pedreiras de Borba. Duas equipas da Polícia Judiciária continuam hoje a investigar o acidente e, no local, prosseguem as operações da Marinha para retirar o segundo corpo.
Neste momento, o mais preocupante são os perigos de deslizamento de terras causados pela chuva que teima em não parar. A tragédia em Borba está longe de terminar e Manuel acompanha o que se passa pela televisão, mesmo estando a dois passos do local. “Eu não vou lá ver nada. Para quê? Já aconteceu”.