O presidente de Angola, João Lourenço, chegou ontem a Lisboa para uma visita de Estado a Portugal de três dias que está a ser encarada pelo governo português como sinal de um ciclo de relançamento das relações bilaterais, ou “um desafio histórico” para os dois países, como descreveu ontem o presidente da República, o primeiro a receber hoje João Lourenço na Praça do Império, em Lisboa.
O “irritante” jurídico que envolveu o ex-vice-presidente angolano, Manuel Vicente, faz parte do passado e, por isso, o discurso é o de aprofundamento das relações políticas e económicas.
Marcelo Rebelo de Sousa apontou ontem a “cumplicidade, em termos políticos e diplomáticos”, entre os dois países e sinalizou a importância de Angola para Portugal como a próxima presidente da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Esta é, aliás, uma das vertentes políticas mais importantes, além da normalização das relações bilaterais, “porque Angola é para Portugal o país mais importante da CPLP”, conforme defendeu, em declarações ao i, o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros Martins da Cruz.
A outra vertente é económica, com a assinatura de acordos de cooperação e o balanço da certificação das dívidas de Angola a empresas portuguesas. Para o efeito, o ministro das Relações Exteriores de Angola, Manuel Augusto, já assumiu a certificação da dívida no valor de 200 milhões de euros, com o pagamento parcial de 100 milhões de euros já em curso.
Para o socialista Jorge Coelho, que representou a construtora Mota-Engil na visita do primeiro-ministro António Costa a Angola há dois meses, “está a ser feito o processo de certificação, está em curso e estava combinado que terminaria agora no final deste mês”. Ou seja, “está tudo a decorrer com normalidade”. Martins da Cruz acrescenta que as suas expectativas sobre a visita são boas, mas o dossiê das dívidas às empresas portuguesas “não vai ficar resolvido porque o presidente João Lourenço “não traz um coelho dentro de uma cartola para resolver o problema”, apesar de “haver avanços nessa matéria”. Há dois meses, as estimativas nacionais de dívidas a empresas portuguesas cifravam-se em 500 milhões de euros.
Sem óbices no caminho
A visita de Estado de três dias inicia-se hoje às 11 horas, sendo encarada como um sinal de que “Portugal voltou a fazer parte das prioridades de Angola”. A avaliação é do antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, Martins da Cruz.
“Houve aquele óbice na parte atribuída ao setor judiciário, que impediu que as relações se desenvolvessem, mas, enfim, Portugal cumpriu o acordo judiciário que tinha assinado com Angola e os óbices desapareceram”, prosseguiu o também embaixador, numa análise à primeira visita de Estado em oito anos de um presidente de Angola a Portugal.
Sem obstáculos judiciais, as relações bilaterais entre os dois países devem ser encaradas a um outro nível ainda que sem ilusões. “Apesar de termos a mesma língua, apesar de partilharmos uma história comum, embora com interpretações diferentes, da mesma história, Portugal não é a única prioridade de Angola”, diz Martins da Cruz. Ou seja, Portugal é importante para Angola, mas não é único, estando incluído nas prioridades da política externa, países como a China, Rússia, Cuba, Alemanha, França e até Espanha.
Lisboa, Porto e Alfeite
A visita de Estado de João Lourenço terá a deposição de flores no túmulo de Luís Camões, uma visita ao Mosteiro dos Jerónimos e o tradicional encontro com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no Palácio de Belém. À tarde, João Lourenço discursará no parlamento, numa sessão solene onde até o Bloco de Esquerda garante a sua presença, apesar das críticas ao regime angolano.
A coordenadora do partido, Catarina Martins, assumiu ontem a sua expectativa em relação ao novo presidente angolano e fez votos, citada pela agência Lusa, de que “se possa dar caminhos importantes tanto do ponto de vista da justiça, como do ponto de vista das liberdades”.
A agenda dos três dias é apertada e João Lourenço receberá ainda a chave da cidade na Câmara Municipal de Lisboa, fechando o primeiro dia com um jantar no Palácio da Ajuda, oferecido por Marcelo. Amanhã, a agenda será sobretudo económica com uma deslocação ao Porto, um almoço com empresários portugueses e angolanos e uma cerimónia na câmara do Porto. Antes de partir, João Lourenço visita ainda o Arsenal do Alfeite.